Quando eles chegaram até a parte de trás do Air Force One para nos dizer como agir em caso de um ataque de foguete, ficou claro que essa não seria uma viagem presidencial comum.
O famoso Boeing 747 azul e branco estava em algum lugar em cima do Oceano Atlântico nesta semana, levando o presidente Biden para Israel, que está no meio de uma guerra com o Hamas. Os responsáveis pela segurança davam instruções aos jornalistas que estavam viajando sobre como evitar, bem, morrer.
Eles distribuíram cartões de bolso com dicas rápidas sobre como agir se um alarme de ataque aéreo fosse acionado, mostrando uma possível ofensiva do Hamas enquanto estivéssemos no chão: o que fazer se houvesse um ataque enquanto estivéssemos embaixo da asa do Air Force One na pista esperando o presidente desembarcar; o que fazer se houvesse um ataque enquanto estivéssemos na comitiva a caminho de Tel Aviv; o que fazer se houvesse um ataque ao hotel onde Biden se encontraria com autoridades israelenses.
E daí que as letras minúsculas no cartão seriam dificílimas de ler se um foguete viesse em nossa direção?
Foi a primeira vez, desde que comecei a cobrir a Casa Branca, em 1996, que vi repórteres a bordo do Air Force One receberem instruções do tipo —um sinal de quanta incerteza havia ao redor daquela viagem.
Afinal, eles estavam levando o presidente e sua comitiva em plena luz do dia para um país em guerra, ao vivo na televisão. O Air Force One pousaria no Aeroporto Internacional Ben-Gurion, dentro do alcance dos foguetes do Hamas em Gaza, um lugar considerado perigoso o suficiente para que muitas companhias internacionais tivessem suspendido voos para lá
No dia anterior, o chanceler da Alemanha Olaf Scholz teve que ser evacuado de seu próprio avião, devido aos alarmes de ataque aéreo, e foi levado às pressas para um abrigo. Os repórteres que viajavam com ele? Receberam ordens para se jogar no chão e se deitar até que o perigo passasse.
Antes disso, o secretário de Estado Antony J. Blinken foi levado para um abrigo durante uma reunião com o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu. Os repórteres que estavam com ele foram retirados às pressas das vans e levados para a escadaria de um prédio a fim de se protegerem de um possível ataque.
Aquela viagem presidencial de Biden já estava se desenhando como incomum de outras maneiras.
Quando a comitiva chegou à Base Conjunta Andrews, em Maryland, para a decolagem do Air Force One, soubemos que a segunda metade da missão —uma parada na Jordânia, onde Biden encontraria líderes árabes— havia sido cancelada abruptamente devido à explosão de um hospital em Gaza.
O Air Force One rolava pela pista, e a viagem começava.
Existe, é claro, uma razão por que os presidentes em geral não vão a países em guerra. Nas vezes em que isso aconteceu, as circunstâncias eram, geralmente, mais controladas.
Franklin D. Roosevelt foi o primeiro presidente a voar para um destino no exterior durante um conflito armado, quando viajou a Casablanca durante a campanha do norte da África na Segunda Guerra Mundial. Ninguém foi informado da viagem até depois de ele ter chegado em segurança.
Os repórteres pensaram que Roosevelt estava indo para sua casa em Hyde Park, em Nova York. Seguindo esse precedente, os presidentes George W. Bush e Barack Obama voaram para o Afeganistão ou Iraque disfarçados. A chegada não foi anunciada antecipadamente e a breve estadia, medida em horas, limitou-se a bases militares americanas.
Certa vez, enquanto Bush era levado em segredo para a zona de guerra, seu disfarce quase foi descoberto quando um mendigo se aproximou de seu carro à paisana em um semáforo. Enquanto o presidente era instruído a se abaixar, um agente do Serviço Secreto no carro atrás dele teve a ideia rápida de jogar alguns dólares pela janela para chamar a atenção do pedinte.
Ao ir à Ucrânia neste ano, Biden foi o primeiro presidente a visitar um país em guerra sem a relativa segurança de uma presença militar dos EUA no local. Mas essa viagem também foi envolta em segredo. Por medo de mísseis antiaéreos russos, Biden foi transportado numa viagem de trem de nove horas até Kiev, na companhia de apenas alguns assessores, guardas e dois jornalistas.
Por outro lado, a Casa Branca anunciou antecipadamente a viagem de Biden a Israel. Embora o governo americano tenha pedido aos repórteres que viajavam com ele para manter em segredo os detalhes de sua agenda até a chegada ao local, assessores de Netanyahu em Israel publicaram onde e quando o presidente americano iria estar antes de ele pousar no país.
As instruções de segurança no avião foram surreais. Embora tenha coberto guerras no Afeganistão e no Iraque, não fiz parte do seleto grupo de repórteres que voaram com Bush ou Obama nessas ocasiões. Mas jornalistas me disseram que não receberam orientações como as nossas a caminho de Tel Aviv.
Os funcionários do governo americano nos disseram que, se ouvíssemos um alarme de ataque aéreo, chamado de “azaka” em Israel, teríamos aproximadamente um minuto até o impacto de um foguete vindo em nossa direção.
Se isso acontecesse enquanto estávamos na pista do aeroporto, cobrindo a chegada do presidente, era para correr em alta velocidade até os veículos da comitiva que estariam próximos.
Se um alarme soasse enquanto estivéssemos nos veículos, deveríamos permanecer neles —o oposto do protocolo de segurança israelense, que é sair do veículo e procurar abrigo, pois o próprio carro poderia ser um alvo. Uma vez no hotel em Tel Aviv, onde o presidente se encontraria com Netanyahu, deveríamos encontrar um abrigo designado ou sala segura no prédio, chamada de “mamad”.
O fim do alarme sinalizaria que o foguete tinha sido interceptado ou caído em outro lugar. Ainda assim, deveríamos permanecer abrigados por alguns minutos para nos proteger de objetos que pudessem cair.
O cartão que recebemos tinha o número de telefone para o qual deveríamos ligar se nos separássemos do grupo do presidente ou se o Air Force One decolasse sem nós. Felizmente para Biden e sua comitiva, os cenários pessimistas eram piores do que a realidade que encontraríamos de fato durante nossa curta estadia.
Enquanto estávamos em Tel Aviv, a cidade à beira-mar parecia a de sempre. Havia muitos soldados fortemente armados ao longo do raminho da comitiva, mas em geral é assim em qualquer lugar que recebe um presidente.
Israelenses de short e camiseta em um dia quente do Mediterrâneo estavam ao longo da estrada, tirando fotos com seus smartphones, como as pessoas costumam fazer em uma visita presidencial.
Por algum motivo, não ouvimos sirenes alertando para ataques aéreos enquanto Biden estava lá. Fomos informados de que elas soaram em outras partes do país e, depois que saímos, soaram em Tel Aviv. Mas o Hamas pelo visto escolheu não provocar o presidente americano durante suas sete horas e meia em Israel.
A viagem terminou com outra surpresa. O presidente voltou para a cabine de imprensa para falar conosco oficialmente no caminho de volta para casa —algo que ele nunca havia feito antes durante sua presidência. “Vocês são um saco”, ele nos disse.
Vestindo um suéter azul claro com zíper e jeans, ele reconheceu que a viagem foi um risco, pelo menos politicamente. As viagens presidenciais geralmente são planejadas com certos resultados em mente. Essa foi um pouco arriscada de várias maneiras. Mas Biden parecia satisfeito por ter conseguido o que queria. “Achei que valia a pena arriscar”, disse ele.