A preferência da população negra por Donald Trump cresceu. Apesar de a esmagadora maioria ainda preferir democratas, houve aumento de cerca de 60% entre negros que votaram em Trump na primeira vez que o candidato concorreu, em 2016, em relação ao pleito deste ano. Na época, eram 8%. Hoje, representam cerca de 13%.
O que justificaria a escolha, segundo pesquisas, é a economia. Apesar de o governo Biden ter deixado o país com baixas taxas de desemprego, o bolo não foi bem dividido. Negros ainda concentram altos índices de pobreza e são alvo da insegurança alimentar. Dados reafirmam a concentração de renda no país, ao passo que mostram a estagnação da parcela menos abastada.
A pauta racial parece, cada vez mais, ser ponto menor para este grupo. Pesquisas indicam que a economia é o principal fator de preocupação para os afroamericanos na hora de escolher o voto, a despeito de um histórico trumpista que prejudicou negros e promessas de um futuro que não tem cara de redenção.
Quando assumiu pela primeira vez, nem ele nem ninguém esperava que uma pandemia assolaria o mundo antes de ele concluir seus anos à frente da Casa Branca. Seguindo o negacionismo que já o acompanhava em pautas como aquecimento climático, Trump negou a severidade da doença, mesmo com milhares morrendo todos os dias. Contrariou especialistas em saúde pública de primeiro escalão e até a própria equipe, que pedia por orientações mais restritivas à população.
Assim, fez-se verdade o ditado popular: quando os Estados Unidos pegam um resfriado, os negros americanos pegam uma gripe. Afroamericanos morreram e contraíram o vírus em proporção maior do que brancos, enquanto o presidente nem sequer pensava em políticas específicas para o grupo mais atingido.
Negros tiveram os maiores índices de desemprego, eram mais propensos a passar fome, a perder suas casas e entrar em dívidas. Tudo isso sob o véu negacionista de Trump.
Em um dos seus últimos atos, o republicano acabou com o treinamento de sensibilidade racial que era oferecido em agências federais sob o argumento de que seriam “esforços para doutrinar funcionários do governo com ideologias sexistas e raciais divisivas e prejudiciais”. Estudos, porém, indicam que contratos federais no país são oferecidos de forma desproporcional a empresas que pertencem a brancos, prejudicando o desenvolvimento econômico da população negra.
Sua administração também desmantelou os principais mecanismos federais criados para responsabilizar policiais envolvidos em situações de discriminação racial, o que fez com que agentes adeptos ao uso da força excessiva contra negros ficassem livres de fiscalização. O presidente eleito é também defensor fervoroso da pena de morte, condenação que atinge desproporcionalmente homens negros.
O futuro com Trump não é incerto; será de continuação das políticas instauradas em sua primeira passagem pelo Salão Oval. O Projeto 2025, do qual Trump afirma ter discordâncias e não saber se será adotado, dá pistas dos rumos que podem ser seguidos no novo governo, uma vez que foi desenvolvido por mais de cem comunidades conservadoras e nomes ligados ao republicano e ecoar declarações já proferidas por ele.
Uma análise realizada pelo Legal Defense Fund mostra que o projeto terá implicações especiais para os negros. O desmantelamento do Departamento de Educação, por exemplo, afetaria especialmente crianças negras por desfazer políticas que têm como alvo o grupo. Também diminuiria a participação de afroamericanos na vida pública, uma vez que o programa quer substituir servidores por nomeados políticos.
Mesmo diante de evidências e promessas, há migração para o radicalismo trumpista. Quem olha o aumento da preferência pode até pensar em síndrome de Estocolmo, uma aproximação perigosa rumo ao inimigo. A questão é que, para quem quer que seja, não dá para ignorar a falta de comida na mesa, mesmo que o custo seja alto e tenha o rosto de Donald Trump.