Jill Stein, candidata serial à Presidência dos Estados Unidos pelo Partido Verde, tem ouvido apelos de estranhos.
“Como é se sentir pessoalmente responsável por trazer Donald Trump de volta ao poder?” foi questionada, segundo ela mesma, por um homem em Nova York —mais um dos críticos que a acusam de, indiretamente, ter provocado a vitória do republicano nas eleições de 2016.
“Quando as pessoas estão sendo alvos de propaganda, (…) elas não são especialmente amigáveis na rua, digamos assim”, afirma ela, que já se acostumou aos olhares de reprovação em seu bairro de tendência democrata nos arredores de Boston.
“Para suas atividades políticas, ela não tem o apoio da família”, disse um dos filhos adultos de Jill em uma entrevista, pedindo para não ser identificado pelo nome para evitar quaisquer repercussões pessoais ou profissionais por se associar a ela. “Quando ela nos disse que iria concorrer novamente em outubro de 2023, pedimos que não o fizesse.”
Jill os ignorou. Após participar das eleições de 2012 e 2016, ela está de volta à cédula em quase todos os lugares que importam —nos EUA, os candidatos não aparecem necessariamente entre as opções em todos os estados.
Estrategistas de ambos os partidos concordam: sua decisão pode ecoar novamente na história por ajudar um homem cujos valores ela abomina. Isso porque seu retorno ocorre em uma corrida aparentemente equilibrada entre Trump e a vice-presidente, Kamala Harris.
Enquanto a candidata condena ambos os “partidos políticos zumbis” como ferramentas de Wall Street e dos mercadores da guerra, sua campanha se concentra principalmente em criticar Kamala, culpando a Casa Branca que ela serve pela violência incessante na Faixa de Gaza e no Líbano.
Os democratas, por sua vez, estão focados em Jill. O partido preparou uma blitz de anúncios negativos para as semanas finais da eleição, temendo que ela possa abocanhar votos críticos. “Jill Stein ajudou Trump uma vez. Não deixe ela fazer isso de novo”, dizem outdoors espalhados em estados decisivos
Nos últimos oito anos, formou-se a imagem em torno de Jill de uma vilã de esquerda (ou salvadora, para seus admiradores da esquerda mais radical) que promove a paz, critica os democratas e é auxiliada pelos republicanos.
Em 2016, quando recebeu quase 1,5 milhão de votos, seu apoio nos estados decisivos de Michigan, Wisconsin e Pensilvânia excedeu as margens de vitória de Trump. Algumas pesquisas nacionais agora a colocam com cerca de 1% das intenções de voto, o que pode ser mais do que suficiente para fazer a diferença e enfurecer seus detratores novamente.
Ela descarta a ideia de que impulsiona algum candidato, observando que alguns de seus apoiadores nunca apoiariam Kamala. Mas sua candidatura parece ser projetada com precisão para prejudicar a democrata com grupos-chave: jovens eleitores horrorizados pelo apoio dos EUA a Israel; ex-apoiadores das campanhas presidenciais de Bernie Sanders que se sentem abandonados pelos democratas; e eleitores árabe-americanos e muçulmanos, especialmente em Michigan.
Os aliados de Kamala costumam enfatizar alguns episódios curiosos de Jill e de seu partido.
Em Wisconsin, um advogado que anteriormente esteve envolvido em processos judiciais buscando reverter os resultados das eleições de 2020 representou o Partido Verde. Já em New Hampshire, um veterano operário republicano apresentou assinaturas para Jill. Além disso, Jay Sekulow, que defendeu Trump em seu primeiro julgamento de impeachment, trabalhou em nome do Partido Verde em Nevada.
“Nunca recebemos ajuda conscientemente dos republicanos”, diz Jill. “Agora, eles podem ter feito isso uma ou duas vezes, tendo meio que se infiltrado sob o radar.”
Médica formada em Harvard e ex-roqueira folk, a candidata defende a abolição da dívida estudantil e médica e um salário mínimo de US$ 25 (R$ 144,73) por hora —atualmente, o valor é US$ 7,25 (R$ 41,97). Seu cargo eletivo mais alto foi um assento em um órgão municipal em Massachusetts, há mais de uma década.
Sobre alguns assuntos, Jill pode soar como Trump. Ela reclama de ser “banida das sombras” nas redes sociais e descarta “a calúnia do Russiagate“, que a envolveu após a eleição de Trump.
Em 2015, Jill participou de um evento em Moscou celebrando a RT, a rede de TV da Rússia que deu amplo espaço à sua campanha de 2016, sentando-se à mesa com o presidente Vladimir Putin e Michael Flynn, o primeiro conselheiro de segurança nacional de Trump. (Jill minimizou o episódio, dizendo que estava lá para pregar a paz.)
Investigadores posteriormente concluíram que a Agência de Pesquisa da Internet, apoiada pelo Kremlin, usou contas de mídia social em 2016 para promover Jill, na esperança de ajudar Trump. Nenhuma descoberta pública sugeriu que a atual candidata estivesse ciente do esforço.
Por meses, diversos conhecidos de Jill discutiram em particular a melhor forma de demovê-la da ideia de concorrer. Alguns tentaram levantar o assunto delicadamente por meio de intermediários. Outros escreveram mensagens e as enviaram diretamente.
“Seus constituintes e seus votos em estados decisivos podem fazer a diferença quanto a se os EUA se juntarão às muitas nações autoritárias do mundo”, escreveu a Jill, recentemente, Mark Allen, um executivo de publicidade aposentado que se tornou amigo de Jill na década de 1970. “Se a eleição não fosse tão acirrada, eu votaria em você, como fiz em 2016. Em vez disso, estou pedindo que você, por favor, seja corajosa e estratégica.”
Ele não recebeu resposta.