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Referência em fascismo passa a considerar Trump fascista – 28/10/2024 – Mundo

O historiador Robert Paxton passou o dia 6 de janeiro de 2021 grudado na televisão. Paxton estava em seu apartamento em Manhattan quando assistiu a uma multidão marchar em direção ao Capitólio, ultrapassar as barreiras de segurança e depois os cordões policiais e invadir o local.

Muitos na multidão usavam bonés vermelhos com a inscrição Maga [sigla em inglês para “faça a América grandiosa novamente”, slogan de Donald Trump], enquanto alguns ostentavam gorros laranja brilhantes, sinalizando sua filiação aos Proud Boys, um grupo de extrema direita. Alguns estavam vestidos como personagens, com roupas camufladas e chifres. “Eu estava absolutamente fascinado com isso”, Paxton me disse quando o encontrei em sua casa. “Eu não imaginava que tal espetáculo fosse possível.”

Paxton, 92, é um dos maiores especialistas americanos em fascismo e talvez o maior estudioso americano vivo da história europeia de meados do século 20. Seu livro de 1972, “Vichy France: Old Guard and New Order, 1940-1944”, traçou as forças políticas internas que levaram os franceses a colaborar com seus ocupantes nazistas e obrigaram a França a enfrentar plenamente seu passado de guerra.

Quando Donald Trump se aproximou da nomeação republicana em 2016, artigos comparando a política americana com a da Europa dos anos 1930 começaram a proliferar na imprensa americana. Michiko Kakutani, então a principal crítica de livros do The New York Times, foi uma das primeiras a definir o tom.

Ela transformou uma resenha de uma nova biografia de Hitler em uma alegoria velada sobre um palhaço e um cabeça-dura, um egomaníaco e mentiroso patológico com talento para ler e explorar fraquezas. No The Washington Post, o comentarista conservador Robert Kagan escreveu: “É assim que o fascismo chega à América”. “Não com botas e saudações,” mas “com um vendedor de televisão”.

Em uma coluna para um jornal francês, republicada no início de 2017 na Harper’s Magazine, Paxton pediu cautela. “Devemos hesitar antes de aplicar este rótulo mais tóxico”, alertou. Ele reconheceu que o “cenho franzido” de Trump e seu “queixo proeminente” lembravam “as absurdas teatralidades de Mussolini” e que Trump gostava de culpar “estrangeiros e minorias desprezadas” pelo “declínio nacional.”

Estes, escreveu Paxton, eram todos elementos básicos do fascismo. Mas a palavra era usada com tanto descuido —”todo mundo de quem você não gosta é um fascista”, disse— que havia perdido seu poder de iluminar.

Os primeiros fascistas, ele escreveu, “prometiam superar a fraqueza e o declínio nacional fortalecendo o Estado, subordinando os interesses dos indivíduos aos da comunidade”. Trump e seus aliados queriam, em contraste, “subordinar os interesses da comunidade aos interesses individuais —pelo menos os dos indivíduos ricos”.

Depois que Trump assumiu o cargo, uma enxurrada de artigos, trabalhos e livros ou abraçou a analogia do fascismo como útil e necessária ou a criticou como enganosa e inútil. A polêmica foi tão implacável, especialmente nas redes sociais, que passou a ser conhecida entre os historiadores como o “debate do fascismo”.

Paxton, àquela altura, estava aposentado havia mais de uma década da Universidade de Columbia, onde foi professor de história por mais de 30 anos, e não prestava atenção, muito menos participava, dos debates online.

O dia 6 de janeiro provou ser um ponto de virada. Para um historiador americano da Europa do século 20, era difícil não ver na insurreição ecos dos camisas-negras de Mussolini, que marcharam sobre Roma em 1922 e tomaram a capital, ou do tumulto violento no Parlamento francês em 1934 por veteranos e grupos de extrema direita que buscavam interromper a posse de um novo governo de esquerda.

Mas as analogias eram menos importantes do que o que Paxton considerava uma transformação do próprio trumpismo. “A virada para a violência foi tão explícita e tão aberta e tão intencional que você tinha que mudar o que dizia sobre isso”, disse Paxton. “Parecia-me que uma nova linguagem era necessária, porque uma nova coisa estava acontecendo.”

Quando um editor da Newsweek entrou em contato com Paxton, ele decidiu declarar publicamente uma mudança de opinião. Em uma coluna publicada em 11 de janeiro de 2021, escreveu que a invasão do Capitólio “remove minha objeção ao rótulo fascista.” O “incentivo aberto de Trump à violência cívica para reverter uma eleição cruza uma linha vermelha”, ele continuou. “O rótulo agora parece não apenas aceitável, mas necessário.”

Perguntei a Paxton se, quase quatro anos depois, ele mantinha sua declaração. Cauteloso, mas direto, ele me disse que não acredita que usar a palavra seja politicamente útil de qualquer forma, mas confirmou o diagnóstico. “Está surgindo de baixo de maneiras muito preocupantes, e isso é muito parecido com os fascismos originais. É a coisa real. Realmente é.”

Paxton disse que o que viu no 6 de Janeiro continuou a afetá-lo; tem sido difícil “aceitar o outro lado como concidadãos com queixas legítimas”. Isso não quer dizer, ele esclareceu, que não haja queixas legítimas a serem feitas, mas que a política de abordá-las mudou. Ele afirma acreditar que o trumpismo tenha se tornado algo que “não é obra de Trump, de uma maneira curiosa”,. “Quero dizer, é, por causa de seus comícios. Mas ele não enviou organizadores para criar essas coisas; elas simplesmente germinaram”.

Quando nos encontramos, Kamala Harris acabara de assumir a candidatura democrata. “Acho que vai ser muito complicado”, ele disse. “Se Trump ganhar, vai ser horrível. Se perder, também vai ser horrível.”

Ele pensou em uma analogia histórica adequada, mas teve dificuldade em encontrar. Hitler não foi eleito, observou, mas legalmente nomeado pelo presidente conservador, Paul von Hindenburg. “Uma teoria”, ele disse, “é que se Hindenburg não tivesse sido convencido a escolher Hitler, a bolha já havia estourado, e você teria surgido com um conservador comum e não um fascista como o novo líder da Alemanha.” “E acho que isso é um contrafactual plausível, Hitler estava em declínio.”

Na Itália, Mussolini também foi legitimamente nomeado. “O rei o escolheu”, disse Paxton. “Mussolini realmente não teve que marchar sobre Roma.”

O poder de Trump, sugeriu Paxton, parece ser diferente. “Parece ter uma base social muito mais sólida, que nem Hitler nem Mussolini teriam tido.”

Fonte: Folha de São Paulo

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