Há quase 70 anos, a cidade de Nova York, nos Estados Unidos, iniciou uma campanha para alertar os pedestres sobre os perigos de atravessar fora da faixa —e raramente um anúncio de segurança pública foi tão amplamente ignorado.
Dizer aos nova-iorquinos, famosos por sua impaciência, para não atravessarem a rua no meio do quarteirão fez pouco para conter a prática ilegal. Nem mesmo a ameaça de punições surtiu efeito: uma violação poderia acarretar uma multa de até US$ 300 (quase R$ 1.800), e ainda assim centenas de pessoas eram multadas a cada ano.
Agora, depois de décadas ignorando a questão, as autoridades da cidade finalmente descriminalizaram o ato de atravessar fora da faixa ou de desrespeitar um sinal vermelho para pedestres —infrações conhecidas pelo termo em inglês “jaywalking”.
O Conselho Municipal aprovou um projeto de lei no mês passado para permitir que os pedestres atravessem a rua onde quiserem. Ele se tornou lei no último dia 27, depois que o prefeito Eric Adams esgotou o tempo que tinha para decidir se vetaria ou assinaria o projeto.
“Vamos ser realistas, todo nova-iorquino atravessa fora da faixa”, disse Mercedes Narcisse, vereadora do Conselho Municipal do Brooklyn que defendeu o projeto. “As pessoas só estão tentando chegar onde têm que chegar.”
Até a atriz Sarah Jessica Parker está entre os infratores. Parker disse que “orgulhosamente atravessa” no meio do quarteirão desde que chegou à cidade no final dos anos 1970.
Ela disse que recentemente explicou o ritual de atravessar fora da faixa para suas filhas e comparou isso à brincadeira de pular corda.
“O especialista encontra o momento perfeito para pular. Mas você tem de saber que está seguro e não vai se enroscar na corda”, escreveu ela em um email, acrescentando: “Nada de mexer no celular enquanto atravessa.”
As leis contra atravessar fora da faixa foram historicamente usadas contra pessoas negras e latinas e não eram aplicadas de maneira uniforme em Nova York. Por isso, o projeto de lei do Conselho era principalmente uma medida de justiça racial: cerca de 92% das 463 pessoas que receberam intimações no ano passado por atravessar uma rua eram negras ou latinas, de acordo com registros da cidade.
As novas regras chegam em um momento tumultuado para as ruas de Nova York, com um aumento nas mortes de trânsito e debates tensos sobre bicicletas elétricas, refeições ao ar livre e cobranças por engarrafamentos —uma proposta para aliviar o trânsito e arrecadar dinheiro para o sistema de transporte que foi barrada pela governadora Kathy Hochul.
Cerca de 200 pessoas morreram nos últimos cinco anos enquanto atravessavam ruas no meio do quarteirão ou com o sinal vermelho —cerca de 34% de todas as fatalidades de pedestres, de acordo com autoridades de transporte da cidade.
Atravessar fora da faixa é contra a lei na cidade de Nova York desde 1958. Os pedestres já dominaram as ruas e se movimentavam livremente, mas os veículos ganharam prioridade durante o século 20, disse Gerard Koeppel, autor do livro “City on a Grid: How New York Became New York”.
“Antigamente ninguém atravessava no cruzamento”, disse ele. “Você simplesmente atravessava onde queria —para chegar onde queria— o mais rápido possível, e o carro mudou isso”, disse ele.
Joseph Borelli, líder da minoria do Partido Republicano no Conselho Municipal, disse que estava preocupado que o fim da criminalização pudesse levar a mais acidentes.
Vickie Paladino, uma vereadora republicana do conselho do bairro de Queens que recentemente afirmou que novos residentes estavam tentando alterar a paisagem urbana porque “odeiam pessoas que possuem carros”, votou contra o projeto. Ela alertou que isso “promoveria o caos e tornaria as ruas muito mais perigosas.”
Mas em um momento em que os nova-iorquinos estão preocupados com o crime, a principal defensora do projeto, Narcisse, uma democrata, argumentou que os policiais não deveriam perder tempo com quem atravessa fora da faixa.
“Eliminando essas penalidades, permitimos que nossos agentes se concentrem nas questões que realmente importam”, disse ela.
O projeto recebeu apoio da Legal Aid Society, um grupo que representa nova-iorquinos de baixa renda, e da Transportation Alternatives, um grupo de segurança nas ruas.
A Legal Aid Society disse que o projeto deveria ter sido aprovado há muito tempo e instou o Conselho Municipal a “continuar a abolir leis obsoletas que não servem a nenhum propósito de segurança pública e apenas capturam pessoas no sistema criminal”.
O projeto de lei afirma que atravessar a rua apesar do sinal vermelho ou fora de uma faixa de pedestres não é mais do que uma violação do código administrativo da cidade e não pode mais ser alvo de ação policial. Também exige que o Departamento de Transporte da cidade conduza um esforço de educação pública sobre segurança no trânsito e avise os pedestres que atravessam fora da faixa que eles não têm prioridade.
Muitos nova-iorquinos confessaram que atravessam fora da faixa, mas estavam divididos sobre a legalização. Josh Leong, 24, um cineasta que mora no Brooklyn, aprovou as novas regras.
“Pelo menos em Nova York, é algo culturalmente aceito, e estou feliz que agora estejam afirmando esse direito”, disse ele enquanto almoçava no Bryant Park na terça-feira. Leong disse que a prática era vista de forma diferente em outros lugares, incluindo no Japão, onde uma vez atravessou a rua contra o sinal, e os outros pedestres ficaram horrorizados. “Recebi tantos olhares de reprovação”, disse ele.
Bonnie Josephs, 86, uma advogada que mora no alto de Manhattan, disse que geralmente espera para atravessar em uma faixa com o sinal de pedestre e acha que outros deveriam fazer o mesmo. “Acho sensato seguir os sinais”, disse ela. “Não gosto muito da ideia de ser atropelada.”