Javier Milei chegou à Casa Rosada no ano passado falando grosso. “Não faremos negócios com países comunistas”, bradou durante a campanha, chamando a China de assassina e defendendo negócios com o “lado civilizado da vida” (leia-se, na interpretação dele, o Ocidente).
Eleito, mudou em forma, mas pouco em substância. Ciente de que a Argentina dependia da China e dos seus contratos de swap cambial para continuar honrando pendências com o FMI, reduziu a retórica estridente. Chegou a agradecer Xi Jinping pelas felicitações pós-vitória, publicando na rede social X que expressava “sinceros desejos de bem-estar ao povo chinês”.
Na prática, ele encerrou tratativas para compras do caça chinês JF-17, dando preferência aos F-16 usados e vendidos pela Dinamarca após autorização do Congresso dos EUA. De imediato, negou o convite (facilitado pelo Brasil, diga-se de passagem) para colocar o seu país no Brics sob a justificativa de não ver sentido na iniciativa.
Enquanto isso, apenas louros ao lado americano. Fã declarado de Donald Trump, o presidente argentino chegou a ir ao país apenas para participar de um evento de libertários ao lado do candidato laranja. Fez questão de viajar até Ushuaia apenas para cumprimentar a general Laura Richardson, a belicista chefe do Comando Sul dos EUA que volta e meia circula pela América Latina alertando sobre os “riscos de se fazer negócios com os chineses”.
E o que ganhou? Quase nada. Em Washington, sobrou entusiasmo, nunca traduzido em nada concreto. Aos poucos, o apoio foi murchando. Conforme percebia que a Argentina não era (e nem será) prioridade da política externa americana, Milei lentamente mudou o tom com os chineses.
Pequim esperou sem pressa. Reduziu o volume de investimentos e comércio com a Argentina, mas da boca de diplomatas ou de Xi nunca se ouviu ofensa direta ao ultralibertário kamikaze. Tanta paciência foi recompensada no início desta semana —em entrevista, o presidente afirmou estar positivamente surpreendido com os chineses.
“É um parceiro comercial muito interessante porque não pede nada. A única coisa que pedem é que não os incomodem,” disse Milei, confirmando que vai visitar Pequim em janeiro para um encontro da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos.
A impressão é que Pequim aplicou com a Argentina as lições que aprendeu com Jair Bolsonaro. Quem não se lembra da visita do brasileiro a Taiwan enquanto ainda era candidato? Ou das constantes afirmações de que a China estava “comprando o Brasil”, das provocações ao regime e ao então embaixador em Brasília, Yang Wanming? Eleito, ó ironia, o comércio com a China cresceu. Bolsonaro esteve em Pequim em 2019 e lá trocou afagos com Xi, chegando a presenteá-lo com uma camisa do Flamengo.
Nos dois casos, com Bolsonaro e Milei, os chineses deixaram o tempo mostrar que a dependência econômica da China às vezes pode ser tão grande que presidente nenhum abala a relação. A menos, claro, aos dispostos a sacrificar uma fatia grande do PIB.
Para Milei talvez sobre o amargor de esperar de Washington uma boia de salvação que nunca veio. Aconteceu com ele, com Mauricio Macri, com o ex-presidente do Equador, Guillermo Lasso e com o próprio Bolsonaro, todos crentes de que poderiam convencer os EUA a verem a América Latina como mais do que mero quintal. É, hermano, não foi desta vez.
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