O Estado de Israel vive um dilema estratégico em relação ao Hezbollah, o grupo fundamentalista libanês que tornou-se o protagonista da guerra iniciada há quase um ano pelo seu aliado palestino Hamas.
Ou Tel Aviv ataca de forma decisiva o rival, provocando baixas civis inevitáveis e levando à pressão internacional por um cessar-fogo que ao fim manterá o Hezbollah como ameaça ou tenta uma acomodação que poupa o governo de críticas e salva vidas, mas que enxuga gelo do ponto de vista de segurança.
A avaliação foi desenhada há alguns meses pela tenente-coronel da reserva Sarit Zahevi, fundadora do Centro Alma, a instituição de referência quando o assunto é a posição israelense em sua turbulenta fronteira norte.
O modelo foi apresentado por ela à Folha durante quase duas horas de conversa na sede do órgão, numa encosta de montanha a 12 km do Líbano, na quinta (26). Para Zahevi, até aqui o governo de Binyamin Netanyahu fez a primeira opção, mas está no momento do modelo em que precisa decidir se para ou vai em frente.
“Hoje, um cessar-fogo sem condições claras e garantias reais significa um novo massacre, um novo 7 de Outubro”, diz, em referência ao ataque terrorista do Hamas que disparou a crise atual. Com efeito, um dos principais alvos da campanha aérea de Israel contra o Hezbollah, lançada na semana passada, foi a Força Radwan.
Essa unidade de elite tem apenas uma função, que um vídeo divulgado no ano passado com direito a mapas e estimativas de baixas pelo Hezbollah explicitava: a conquista da Alta Galileia, a região do norte israelense que faz fronteira com o sul libanês.
“Eu achei que era propaganda, até ver o que o Hamas fez”, afirma Zahevi, com conhecimento dos alvos citados no vídeo. Ela mora na região desde 2007, quando foi transferida para o Comando Norte das Forças de Defesa de Israel.
Ela foi para a reserva em 2014, e desde então tornou-se a maior autoridade israelense acerca da realidade local. Oficial de inteligência por 15 anos, ela participou da mais recente guerra aberta entre Israel e o grupo libanês, em 2006.
“De dois anos para cá, houve uma mudança de posição do Hezbollah. Eles querem a guerra“, opina, mostrando como prova vídeos feitos por ela mesmo de postos do grupo na fronteira que, segundo acordo promovido pela ONU em 2000, deveria só ter militares libaneses regulares ou força de paz.
Ela não vê uma solução simples para o dilema colocado. “Um cessar-fogo só pode ser atingido com um acordo diferente dos anteriores, que o Hezbollah não cumpriu. E isso só funciona com pressão”, diz ela, defendendo “mais alguns dias de bombardeios”.
“Temos de limpar as áreas de fronteira”, defendeu, sem ser incisiva acerca de uma potencialmente custosa invasão terrestre. “Não sei se temos de ir a Beirute. Eu sou de uma geração que ficou muito feliz quando saíamos do Líbano [após 18 anos], em 2000.”
Quando recebeu a reportagem, a notícia de que os EUA haviam anunciado o plano de um cessar-fogo de 21 dias havia acabado de chegar. “Essa é a pior manhã desde o 7 de Outubro. Eu não sei o quão danificado o Hezbollah já foi. Parar agora pode dar 21 dias para eles se recomporem”, afirma.
Ela disse que, contudo, apoiaria uma acomodação que libertasse imediatamente os talvez 64 reféns ainda vivos em mãos do Hamas, talvez cessando as hostilidades em Gaza. “Além de tudo, isso provaria ao mundo o quão integrados operacionalmente o Hezbollah e o Hamas estão”, disse.
E o patrono dos grupos anti-Israel, o Irã? “Hoje eu não sei se o [líder do Hamas Yahya] Sinwar soltaria os reféns se o Irã pedisse. Em relação ao Hezbollah, a sinergia é total”, afirma.
Ela aponta que “os iranianos são pragmáticos, usam uma ferramenta de cada vez”, citando os ataques de houthis do Iêmen ou vindos da Síria e do Iraque. “Nada disso é sobre Gaza. É sobre Israel”, exibindo um vídeo do Hezbollah chamado “Os mártires no caminho para Jerusalém”.
Sua abordagem belicista é dura: “Dissuasão neste caso é destruir a capacidade do inimigo”, afirmou. Em linha com o que vem sendo divulgado pelo Exército, mostrou os vídeos de explosões secundárias nas casas atingidas no sul do Líbano —evidência de que guardavam estoques de mísseis e outras armas.
Ela nega a ideia de um concurso de letalidade, quando fala sobre os civis mortos no Líbano. E relata que, de 2.840 incidentes em que o Hezbollah lançou 9.300 mísseis e foguetes nesta guerra contra Israel, 48% foram diretamente contra civis.
Com efeito, as sinuosas estradinhas da bela região são hoje um de seus locais mais perigosos: o Hezbollah atira de forma indiscriminada contra veículos, às vezes com os temidos mísseis antitanque Kornet.
Bastante equipada para a guerra de informação, Zahedi ilustra seus comentários com dados, fotos e vídeos em uma sala cheia de telas. Em um dado momento, tudo é interrompido pelo alerta de ataque aéreo em Akko, a 20 km de lá. “Dá para ver da janela”, disse, apontando para os pontos de fumaça da interceptação de mísseis.
Esta é rotina no norte. Com uma família grande, marido e cinco filhos “somando os de cada um”, ela não gosta de fala da vida pessoal.
“Fui ameaçada pessoalmente”, novamente apesentando uma evidência arrepiante: um segmento de um programa de TV do Hezbollah de maio no qual sua foto aparecia com destaque como adversária a ser destruída. “Mas nunca atiraram aqui”, diz.
Até suas origens, pai sírio e família materna libanesa, foram apresentadas como “prova de traição”. “Isso diz muito da nossa triste situação”, lembrando também dos 60 mil moradores que tiveram de deixar suas casas.