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Guerra da Ucrânia deixa geração de crianças impactadas – 26/09/2024 – Mundo

Quando a invasão russa na Ucrânia começou em fevereiro de 2022 e alguns de seus alunos fugiram para o exterior, IrIna Kovaliova, professora de literatura, decidiu que era hora de se aposentar. “Escrevi minha carta de demissão e tirei minhas coisas da escola”, disse ela. Mas as crianças de sua turma da sexta série em uma escola de Kiev, imploraram para que ela ficasse, “pelo menos enquanto durasse a guerra”.

Mais de dois anos depois, ela ainda está lecionando aos 63 anos de idade, embora pudesse ter se aposentado aos 60, dilacerada pelo desgosto de ver seus alunos enfrentarem o trauma de ataques aéreos, bombardeios e a perda de entes queridos. Ela se preocupa com aqueles que foram deslocados, forçados a estudar online, bem como com os ex-alunos que já se alistaram no Exército e estão lutando nas linhas de frente.

Ela começa todas as manhãs verificando as redes sociais de dois ex-alunos que estão no Exército, aliviada quando vê que eles estão online, sabendo que pelo menos estão vivos. Maria Lisenko, diretora da escola, disse que estava preocupada com toda uma geração de crianças, mas também com seus professores.

“As crianças são um reflexo do que está acontecendo em nossas vidas”, disse Lisenko. “Há uma razão para uma criança estar deitada na escrivaninha —talvez ela não tenha dormido a noite toda, porque estava esperando notícias de alguém próximo.”

“Mas e os professores?”, acrescentou. “Eles estão aguentando, sem colapsos, sem pânico, fazendo o melhor que podem.” Crianças e professores de todo o país começaram neste mês o novo ano acadêmico, em um momento em que a Rússia vem intensificando os bombardeios nas cidades ucranianas.

A turma 6H é o grupo mais problemático da sexta série na escola de Kovaliova. As crianças, segundo ela, não gostam de disciplina e não conseguem ficar quietas depois de passarem pelo confinamento durante a Covid-19 e, em seguida, por dois anos de interrupção com a eclosão da guerra.

Elas frequentemente ignoram os professores, disse Kovaliova, acrescentando: “É um grupo difícil”. Mas, segundo ela, é possível ver as razões por trás desse comportamento. “Essas crianças são barulhentas. Elas querem gritar alguma coisa. Mas nunca perguntamos sobre o que elas estão gritando. Essas crianças estão pedindo ajuda. Elas são como uma ferida sangrando, e ninguém vê.”

Então, em vez de verificar o dever de casa em uma manhã, ela surpreendeu a classe com uma pergunta repentina. Ela convidou um repórter do The New York Times para ouvi-las. “O que mudou dentro de você nesses dois anos?”, perguntou à turma. “E como vocês refletiriam isso em uma pintura coletiva?”

Desde o início da invasão russa, ela disse que estava pressionando a escola a considerar a possibilidade de exibir no abrigo antibombas da escola um mural gigante, pintado pelas crianças, no qual elas pudessem expressar sua experiência da guerra. A escola hesitou, mas ela decidiu ir em frente, pedindo aos alunos que começassem a pensar no projeto.

O primeiro a falar foi Dania, 11, um estudante que foi deslocado de sua casa na cidade ucraniana de Lugansk em 2014, quando começaram os combates entre os separatistas apoiados pela Rússia e as forças do governo nas regiões do Leste da Ucrânia. “Antes, eu pensava em minha casa como um guarda-roupa onde eu podia me esconder, onde nada me preocupava”, disse ele. “E não é mais assim.”

Em seguida, Iehor, 11, de Kiev, disse que havia fugido da capital com sua mãe no momento em que a invasão russa em grande escala começou. “Eu queria ficar, mas meus pais achavam que os soldados já estavam se aproximando. Fomos embora. Meu pai ficou e viu com seus próprios olhos um míssil voando e atingindo um alvo.”

A família de Iehor fugiu para uma cidade a oeste da capital. Ele guardou consigo um ícone religioso que, segundo ele, ajudou a família a fazer a viagem em segurança. Ele disse que queria retratar esse ícone na pintura.

Kovaliova explicou sua ideia: “Imagine que um aluno venha para a escola daqui a 20 anos. A guerra acabou. Vivemos em um país feliz. E ele vê este mural assinado ‘Classe 6H’. Ele vê um guarda-roupa e um ícone em um guarda-roupa. E começa a pensar.”

“O que mudou dentro de você nesses dois anos?”, disse ela. “E como você refletiria isso em uma pintura coletiva?”

Nazarii, 12, respondeu: “Para mim, a guerra é a morte, em primeiro lugar. É muito doloroso”. Risos nervosos irromperam na sala de aula. “Meu tio morreu”, disse ele.

Kovaliova silenciou a classe. “Quantos anos ele tinha?”, perguntou ela. “Trinta e dois”, disse Nazarii.

“Tenho vontade de chorar”, disse Kovaliova. “O que você pintaria?”, ela perguntou a ele.

“Uma fortaleza. Cavaleiros entrando na fortaleza. E muito sangue por toda parte”, disse ele.

“Como você mudou?”, perguntou a professora, voltando-se para a classe.

“Passei a ter menos vergonha de expressar minha opinião”, disse Nazar, 12. “Antes, eu pensava: ‘Droga, por que nasci na Ucrânia?’ Depois que a guerra começou, comecei a me sentir legal por ser da Ucrânia. Eu pintaria um espelho no guarda-roupa, para ver como eu mudei.”

Arina, 11, revelou que havia sido deslocada do leste da Ucrânia e separada de seus avós, que permaneceram no território ocupado pela Rússia. Ela começou a chorar, e vários de seus colegas de classe correram para abraçá-la.

“Eu pintaria uma pessoa chorando”, disse Arina. “Porque as pessoas morrem e você não pode nem mesmo visitar o túmulo delas.”

“É uma conversa muito importante”, disse a professora. “Obrigada. Eu os entendo melhor. Vocês se entendem melhor.” As histórias estavam surgindo agora.

“Meu irmão morreu recentemente. Ele tinha 24 anos”, disse um aluno chamado Sacha. “Eu não valorizava aqueles momentos de vida com ele. Eu pintaria braços segurando caixões… Nossa pintura está ficando complicada”, acrescentou.

Outro colega de classe, Kiril, se manifestou: “Quando a guerra começou, foi muito mais assustador do que eu esperava… Eu pintaria o medo.”

“Como você pintaria o medo?”, perguntou-lhe Kovaliova.

“Escuridão”, disse Kiril.

Fonte: Folha de São Paulo

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