As Forças Armadas de Israel começaram a convocar reservistas para um possível ataque terrestre ao grupo fundamentalista libanês Hezbollah, que apoia o palestino Hamas em sua guerra de quase um ano contra o Estado judeu.
A hipótese de invasão do sul do Líbano, antecipada pela Folha na terça (24) e confirmada oficialmente nesta quarta (25) pelo chefe do Estado-Maior israelense, Herzl Halevi, elevará o já agudo conflito para o status de guerra regional.
Ele não confirmou a convocação, mas a reportagem viu dois reservistas israelenses receberem mensagens de suas unidades de origem do serviço militar obrigatório de três anos do país. Um brincou com o outro que iria “nadar no Litani no Rosh Hashaná”.
O Litani é o rio que marca a fronteira norte da zona-tampão estabelecida pela ONU em 2000, quando Israel encerrou a ocupação do sul libanês iniciada em 1982. Pelo acordo não cumprido pelo Hezbollah, apenas o Exército do Líbano e forças de paz poderiam operar no local. O Rosh Hashaná, o ano-novo judaico, será na próxima quarta, 2 de outubro.
A fala transparece o otimismo de um coronel e de dois soldados israelenses que operam no norte do país e conversaram informalmente sobre a situação. Ainda assim, na véspera, o militar que antecipou o plano de invasão sugeriu que ela seria “feroz” e mais simples do que a ação em Gaza.
Militares especulam que até duas divisões possam ser chamadas, algo entre 20 mil e 30 mil homens, para reforçar um contingente incerto, mas que já se beneficia do desvio de recursos da guerra em Gaza: hoje, operam lá duas divisões, ante cinco no ponto máximo da crise.
Ao telegrafar a possibilidade em conversas com jornalistas e, depois, com o anúncio militar, Israel procura explorar ao máximo a vantagem em campo que exerce desde que resolveu dizer chega aos ataques de baixa intensidade do Hezbollah que expulsaram 60 mil pessoas de suas casas no norte do país.
Primeiro veio a onda de pagers e walkie-talkies transformados em bombas pessoas no bolso de membros do grupo, depois a explosão da chefia da força de elite encarregada de planejar uma invasão do norte israelense que os militares de Tel Aviv dizem que iria imitar o massacre promovido pelos terroristas do Hamas em 7 de outubro do ano passado.
Do fim de semana para cá, Israel multiplicou seus ataques contra o Líbano, matando segundo autoridades locais 620 pessoas, 51 nesta quarta —que viu 280 bombardeios israelense. São mais baixas do que as 498 em um ano de hostilidades fronteiriças, que vitimaram 49 do lado de Tel Aviv.
“Vocês estão ouvindo os jatos, eles estiveram atacando todo o dia. Isso é tanto para preparar o terreno para a possível entrada de vocês e para continuar a degradar o Hezbollah. Hoje, o grupo expandiu seu alcance de fogo e, mais tarde, receberá uma resposta muito forte. Preparem-se”, disse Halevi a soldados na fronteira norte.
Ele se referia ao míssil balístico de longo alcance que fez disparar alarmes em Tel Aviv pela primeira vez devido a fogo do Hezbollah nesta guerra. O grupo disse que o projetil, que foi abatido, se dirigia à sede do Mossad, o serviço secreto central para a localização e morte de líderes dos fundamentalistas.
Na terça, havia sido a vez do chefe da unidade de foguetes e mísseis do Hezbollah. Até aqui, Israel conta ter matado 17 dos 19 integrantes da cúpula militar do Hezbollah no conflito.
Neste ano de atrito, estima-se que o Hezbollah usou 9.300 dos seus talvez 160 mil mísseis e foguetes. Nesta quarta, a intensidade dos ataques mudou: até o começo da noite foram apenas 9 alertas regionais, ante mais de 30 na véspera.
Houve a escalada pontual contra Tel Aviv, que tirou muita gente da cama às 6h30 (0h30 em Brasília). Análise do Instituto para Estudos de Segurança Nacional aponta que, do arsenal, 4.500 modelos têm tal alcance contra o centro econômico de Israel.
As ações não evoluíam para uma guerra aberta, como a travada pela última vez em 2006, embora tenha havido momentos de maior tensão. O mesmo ocorreu com o país que banca o Hezbollah e o Hamas, o Irã.
Líderes mundiais expressam temor agora. “Uma guerra total é possível, mas eu acho que há uma oportunidade também. Nós ainda jogamos com um acordo que possa fundamentalmente mudar toda a região”, disse o americano Joe Biden à rede de TV ABC.
A um mês e meio de descobrir quem irá sucedê-lo, Biden está em posição fraca: até aqui, não conseguiu fazer com que Binyamin Netanyahu moderasse sua guerra em Gaza, que já matou mais de 41 mil pessoas, ou que aceitasse um cessar-fogo. Críticos do premiê israelense o veem prolongando a guerra em nome da manutenção da coalizão radical que o sustenta.
Há uma possibilidade, contudo, de que a pressão máxima e os recados de Israel de fato mirem uma solução que envolva Gaza e os 64 reféns vivos com o Hamas, e algum tipo de compromisso de que o Hezbollah deixará as fronteiras do Estado judeu.
Isso é insinuado nas falas, mas é também fato que a onda de sucessos militares de Israel talvez faça o Hezbollah reagir mais duramente, ainda que sob pena de ser desmantelado —levando consigo o alquebrado Líbano, onde exerce poder superior ao do governo nominal.
Para o chefe do Legislativo do país árabe, Nabih Berri, as próximas 48 horas serão decisivas para eventuais negociações. Se falharem, restará saber se o jovem reservista convocado nadará no Litani ou se verá em um atoleiro libanês como seus antepassados de farda.