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conflito de interesses dificulta regulamentação de EaD

O ministro da Educação Camilo Santana disse que vai tomar decisões “mais rígidas e duras” em relação a graduações na modalidade a distância no país. Com diversas iniciativas, a pasta tem se dedicado à questão, mas se precisar de apoio do Poder Legislativo para implementar medidas pode encontrar obstáculos. Alguns parlamentares têm familiares proprietários de grandes instituições de ensino superior, entre eles o presidente da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. O próprio partido Republicanos, que possui 41 deputados federais e 2 senadores eleitos, também gere uma faculdade particular.

Em setembro, o MEC suspendeu a oferta de cursos de Direito, Odontologia, Psicologia e Enfermagem no formato remoto por 120 dias. A decisão saiu ainda durante as atividades do grupo de trabalho sobre o tema. O curso de Farmácia EaD também foi suspenso, mas sem prazo para retorno. Camilo Santana considerou o cenário “alarmante e desafiador”.

Para ouvir entidades e especialistas, o MEC abriu uma consulta pública sobre o tema, sugerindo a proibição da modalidade EaD para os quatro cursos citados e outros 12: Biomedicina, Ciências da Religião, Educação Física (bacharelado), Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Geologia/Engenharia Geológica, Medicina, Nutrição, Oceanografia, Saúde Coletiva e Terapia Ocupacional. “O foco é na qualidade da oferta e valorização do campo prático desses cursos”, afirmou o ministro durante a divulgação do Censo da Educação Superior 2022, na última terça-feira (10).

Átila Lira (PP-PI), Professor Alcides (PL-GO), Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), Misael Varella (PSD-MG) e até o presidente da Comissão de Educação, Moses Rodrigues (União-CE), são alguns dos parlamentares com parentes próximos proprietários de instituições de ensino superior. A tia de Átila Lira é a reitora da Unifsa em Teresina (PI). O Professor Alcides é dono da Unifan, em Aparecida Goiás. Fundada por Bonifácio de Andrada, pai do deputado Lafayette de Andrada, a reitoria da Unipac e a presidência da Fupac e Funjobe (mantenedora de faculdade) são ocupadas pelo irmão do parlamentar. Lael Varella, irmão do parlamentar Misael Varella, é dono da Faminas em Minas Gerais. O pai do deputado Moses Rodrigues é dono da Uninta, uma das maiores faculdades particulares do município de Sobral, no Ceará. Exceto Lafayette e Varella, todos os outros compõem a Comissão de Educação na Câmara dos Deputados.

Além da modalidade EaD, que exige que algumas atividades aconteçam no formato presencial, a Uninta, da família de Moses Rodrigues, oferece graduações 100% digitais com cursos como ciências contábeis, administração, marketing, publicidade, entre outros. O público-alvo dos cursos 100% digitais são brasileiros que moram no exterior.

A Faculdade Republicana, ligada ao Partido Republicanos, oferece apenas o curso de ciência política a distância, muito provavelmente porque a faculdade só conseguiu autorização do MEC para oferecer o ensino a distância em dezembro de 2022. A permissão foi celebrada pelo deputado federal e presidente do partido Marcos Pereira (Republicanos-SP). Dos 41 deputados federais que compõem a Câmara dos Deputados, seis são membros da Comissão de Educação. Na Comissão de Educação do Senado Federal, os dois senadores da legenda fazem parte. Damares Alves (Republicanos-DF) como titular e Hamilton Mourão (Republicanos-RS) como suplente.

Procurados pela Gazeta do Povo, Moses Rodrigues, Átila Lira e Lafayette de Andrada negaram a existência de qualquer conflito de interesses em sua atuação pública pela proximidade pessoal com instituições privadas de ensino superior. Ao mesmo tempo, garantiram que concordam com a necessidade de melhoria na qualidade do EaD. Já o professor Alcides e o partido Republicanos não se manifestaram até a publicação dessa reportagem.

Ensino a distância tem crescimento de 87%

Comparado com 2014, a oferta de cursos de graduação EaD cresceu 87%. Das 23 milhões de vagas ofertadas, apenas seis milhões são no formato presencial. Em relação às instituições privadas 94% dos ingressos e 88% das matrículas são de cursos a distância. Um crescimento considerável que, segundo o ministro Camilo Santana, cria um cenário “alarmante e desafiador” em relação à fiscalização da qualidade.

É por isso que Santana pretende implementar diretrizes sobre a qualidade desses cursos. “Determinei à Seres [Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior] que realize uma supervisão especial nos cursos a distância, para revermos todo o marco regulatório. Nossa preocupação não é com o fato de ter curso a distância, mas garantir a qualidade desses cursos que serão oferecidos para a formação profissional, tendo em vista que determinados cursos são impossíveis de serem feitos em EaD”, comentou o ministro.

Nos dados apresentados pelo Inep, na última quarta, outro ponto que chamou a atenção é a quantidade de professores que atuam na educação superior. Em 2022, a rede pública passou a ter mais professores que a rede privada, sendo que as instituições privadas são responsáveis por cerca de 78% dos cursos de graduação ofertados. Delimitando para os cursos EaD, a razão aluno-docente nas universidades públicas é de 34 alunos por professor, já na rede privada o número chega a 171 estudantes por docente.

O professor Rodorval Ramalho, sociólogo e professor da Universidade Federal de Sergipe, alerta para o fato de as condições de trabalho no setor privado serem, geralmente, degradantes. Ramalho comenta também que a modalidade está relacionada com a diminuição de custos e também a um menosprezo dos cursos de licenciatura nas universidades federais. “O foco, aqui, sempre foram os bacharelados, já que a elite docente nesse sistema está mais vinculada à pesquisa do que à formação de professores. Como você pode notar, os desafios são muitos e as alternativas são complexas”, ressaltou.

“Melhor que regulamentar ainda mais o segmento, seria mais eficiente tornar mais transparentes as estruturas educacionais que oferecem vagas, para que os cidadãos demandantes desses serviços possam ter acesso a informações que os orientem melhor nas suas decisões”, sugeriu Ramalho. O especialista ainda afirma que há uma transição para o formato híbrido de ensino, com incorporação de tecnologias sem a perda do contato presencial. “O caso brasileiro é ainda mais complexo porque envolve, igualmente, ajustes estruturais em todas as outras fases de ensino”, reforçou.

Conselhos federais e associações de ensino privado participam do debate

A OAB se posiciona totalmente contrária ao oferecimento de cursos de Direito totalmente a distância e comemorou a decisão de suspensão dos cursos da área na modalidade. Para a organização, há uma “precariedade no ensino jurídico no Brasil, refletida no baixo índice de aprovação dos formados em direito no Exame da Ordem Unificado”. Para o presidente da instituição, Beto Simonetti, os “estudantes são levados a investir em cursos em qualquer qualidade, mera mercantilização do ensino”. Outros conselhos como o Conselho Federal de Odontologia, de Psicologia e de Enfermagem possuem posicionamentos semelhantes.

A Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) participou do grupo de trabalho montado pelo MEC para tratar sobre os problemas dos cursos de graduação remoto. Na mesma linha, está Celso Niskier, diretor presidente da entidade: para ele, é necessário lutar pela qualidade do ensino. “Nós estamos vencendo a batalha da quantidade, da democratização, do acesso, precisamos juntar forças na luta pela melhoria da qualidade”, reforçou.

A preocupação demonstrada pelo MEC em relação a qualidade dos cursos também é compartilhada pela Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), segundo nota. “Mas a ANUP também considera preocupante que a ausência de monitoramento e de avaliação — que permitiu a desregulação e a desorganização da oferta atuais — seja seguida por uma desproporcional limitação do uso da tecnologia como instrumento de entrega de conteúdo acadêmico com qualidade”. A entidade também afirmou que “regular olhando o passado será um erro sem volta”, pois entende que isso “permitirá a multiplicação de cursos não regulados e a fuga de alunos que preferem atender às necessidades de empregabilidade e atualização, deixando o MEC a pregar no deserto”.

Fonte: Gazeta do Povo

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