Como discursou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na abertura da Assembleia-Geral da ONU no ano passado, “o Brasil está de volta”. “Nosso país está de volta para dar sua devida contribuição ao enfrentamento dos principais desafios globais.”
Mas quanto àquele que provavelmente é o maior desafio para a humanidade, o combate ao aquecimento global, o Brasil pode ter voltado, mas ainda não disse a que veio.
Em seu discurso nas Nações Unidas na manhã desta terça-feira (24), Lula teve o enorme mérito de não maquiar a extensão da tragédia climática que se abate sobre o Brasil.
Ele mencionou que o Sul viveu a maior enchente desde 1941, a Amazônia atravessa a pior estiagem em 45 anos e os incêndios já dizimaram 5 milhões de hectares apenas só no mês de agosto. “O meu governo não terceiriza responsabilidades nem abdica da sua soberania.”
Enorme diferença do governo negacionista do ex-presidente Jair Bolsonaro, expert em terceirização de responsabilidades. Em seu último discurso na Assembleia-Geral da ONU, em 2022, Bolsonaro não usou as expressões “mudanças climáticas” e “aquecimento global” nenhuma vez. Limitou-se a elencar supostas conquistas de seu governo em conservação do meio ambiente.
Ainda que reconheça o problema, Lula não priorizou aquela que deveria ser a maior bandeira de seu mandato, o enfrentamento às mudanças climáticas, e chegou à ONU com pouco a mostrar.
A autoridade climática, promessa de campanha, não saiu do papel até hoje. O governo segue dividido, com Ministério de Minas e Energia defendendo exploração de petróleo na margem equatorial na Amazônia e o Ministério do meio Ambiente em oposição.
O ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) chegou a defender, em entrevista à Folha, que o Brasil deveria explorar petróleo e gás até “conseguir alcançar IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] à altura do que atingiram os países industrializados”. O governo prevê incentivos para exploração de petróleo de gás.
Sim, como disse Lula nesta terça-feira (24), o desmatamento na Amazônia foi reduzido em 50% e o governo deixou de fechar os olhos para o garimpo ilegal. Mas o desmatamento no Cerrado cresceu cerca de 15% no último ano, e as desintrusões (retiradas) de garimpeiros de territórios indígenas caminham a passos lentos.
O próprio Lula, em reunião no Planalto em 17 de setembro, admitiu que o Brasil não estava “100% preparado para lidar” com eventos climáticos extremos.
Marina Silva (Meio Ambiente) foi ainda mais enfática à Folha. “O que nós estamos descobrindo agora é que [o planejado] não foi suficiente. E ter essa clareza e essa responsabilidade de não querer mascarar a realidade ou minimizar a realidade faz parte de uma postura republicana diante da sociedade.”
Isso não reduz, em nada, a responsabilidade dos países ricos de cumprirem suas promessas de ajuda financeira às nações em desenvolvimento para combate às mudanças climáticas – como, por exemplo, o compromisso de direcionar US$ 100 bilhões por ano para nações em desenvolvimento. Esse objetivo foi atingido pela primeira vez em 2024, com dois anos de atraso – e nada garante que irão mantê-lo nos próximos anos
O planeta “está cansado de metas de redução de emissão de carbono negligenciadas e do auxílio financeiro aos países pobres que não chega”, discursou o presidente.
Ele afirmou que a Contribuição Nacionalmente Determinada (a NDC) do Brasil será apresentada ainda este ano, em linha com o objetivo de limitar o aumento da temperatura do planeta a 1,5ºC (o governo prometeu no ano passado desfazer a “pedalada climática” da gestão Bolsonaro).
Ainda assim, o alerta de Lula sobre a urgência da cooperação multilateral para enfrentar as mudanças climáticas esbarra na ambivalência em relação aos combustíveis fósseis.
“É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis”, discursou na ONU.
Enquanto o presidente prega a transição energética para uma plateia de chefes de Estado e governo em Nova York, a Petrobras (cujo acionista majoritário é o governo) planeja ampliar sua produção diária de barris de petróleo até chegar a 5,3 milhões em 2030.
E no dia anterior à advertência sobre a urgência de redução de uso de combustíveis fósseis, Lula teve uma reunião secreta com o presidente global da petroleira multinacional Shell, Wael Sawan, e o presidente da Shell Brasil, Cristiano Pinto, segundo revelou a BBC Brasil.