O governo Joe Biden indicou um funcionário do segundo escalão para participar da reunião que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, estão organizando em Nova York sobre democracia e combate aos extremismos.
Depois de semanas de negociações, a Casa Branca informou aos auxiliares de Lula que o vice-secretário de Estado, Kurt Campbell, será o representante americano no encontro.
Ao escalar Campbell, os EUA indicam um certo distanciamento da iniciativa. Apesar de ser o número dois do Departamento de Estado, Campbell não faz parte do gabinete de Biden (equivalente ao status ministerial do Brasil).
Lula convidou Biden para a reunião —uma das principais agendas do petista na semana da Assembleia-Geral da ONU— durante uma ligação telefônica em 30 de julho.
Na ocasião, os dois discutiram a crise na Venezuela aprofundada com as eleições de 28 de julho, quando o ditador Nicolás Maduro foi proclamado vencedor pelo órgão eleitoral controlado pelo chavismo. O resultado foi imediatamente questionado pela oposição e por líderes regionais, que acusaram fraude.
O evento em Nova York, intitulado “Em defesa da democracia: lutando contra o extremismo”, está sendo organizado para a tarde desta terça-feira (24), mesmo dia da abertura da Assembleia-Geral, em que o presidente brasileiro é tradicionalmente o primeiro chefe de Estado a discursar.
O Brasil já tinha recebido a confirmação de que os presidentes da França, Emmanuel Macron, do Chile, Gabriel Boric, e da Colômbia, Gustavo Petro, vão participar, mas o nível de representação dos EUA era incerto.
Há previsão de presença do premiê do Canadá, Justin Trudeau, e do presidente do Conselho Europeu, Charles Michel.
Além desses países, foram chamados os líderes de México, Alemanha, Reino Unido, Cabo Verde e Quênia, entre outros —alguns devem marcar presença no nível ministerial.
O objetivo de Lula é usar o evento como plataforma para criticar o que ele vê como desinformação e discurso de ódio, principalmente nas redes sociais.
O tema ganhou novas dimensões com o embate entre o bilionário americano Elon Musk e o STF (Supremo Tribunal Federal). Em declarações recentes, Lula criticou Musk pelo descumprimento de decisões judiciais que culminaram no banimento, por ordem do STF, da rede social X no Brasil.
Na mais recente delas, o presidente disse que o governo será sempre intolerante com qualquer pessoa, “tenha a fortuna que tiver, que desafie a legislação brasileira”.
Apesar de Musk ser um adversário de Biden, a gestão americana tem ressalvas em relação à decisão do STF de bloquear a rede social.
Em 30 de agosto, a embaixada americana disse que a liberdade de expressão é pilar fundamental em uma democracia saudável. A manifestação da missão diplomática foi comemorada por Musk como um gesto de apoio.
Junto ao convite encaminhado às delegações, os governos de Brasil e Espanha encaminharam um texto em que afirmam que há uma crescente coordenação de movimentos de extrema direita no mundo e que as fake news têm sido usadas como arma por atores extremistas.
O texto também cita os ataques antidemocráticos de 8 de Janeiro, em Brasília, e a invasão do Capitólio, a sede do Congresso americano, como símbolos de “movimentos violentos com elementos comuns, como a rejeição da alternância democrática e da diversidade, além da exaltação de uma forma exclusiva de identidade nacional”.
O recorte ideológico do evento, com foco apenas no extremismo de direita, gerou incômodo em algumas delegações estrangeiras, que apontam, como exemplo, ser impossível discutir erosão da democracia sem citar a repressão crescente na Venezuela, hoje uma ditadura de esquerda.
Sobre essa crítica, integrantes do governo brasileiro ouvidos reservadamente pela Folha dizem que os líderes participantes terão liberdade para tratar os casos que acharem necessários em suas intervenções.