Alguns membros do grupo extremista Hezbollah, do Líbano, receberam seus novos pagers da marca Gold Apollo apenas algumas horas antes de os aparelhos explodirem na última terça-feira (17), disseram duas pessoas com conhecimento do assunto à agência de notícias Reuters.
A distribuição de parte deles logo antes do ataque indica que o grupo estava confiante de que os dispositivos eram seguros, embora uma varredura para identificar ameaças ainda estivesse em andamento.
Um membro da facção, por exemplo, recebeu seu novo pager na segunda-feira (16), e o aparelho explodiu no dia seguinte enquanto ainda estava na caixa, disse uma das fontes. Outro dispositivo dado a um membro de alto escalão do grupo apenas alguns dias antes feriu um subordinado quando detonou, disse a segunda fonte.
Em um ataque coordenado atribuído a Israel, que não se manifestou publicamente, os aparelhos detonaram em redutos do Hezbollah no sul do Líbano, nos subúrbios de Beirute e no Vale do Beqaa. No dia seguinte, centenas de walkie-talkies do grupo também explodiram. No total, 37 pessoas morreram, incluindo pelo menos duas crianças, e 3.000 ficaram feridas.
No caso dos walkie-talkies, suas baterias estavam impregnadas com um composto altamente explosivo conhecido como PETN, disse outra fonte libanesa familiarizada com o assunto à Reuters. Os pagers com até três gramas de explosivos passaram despercebidos por meses pelo Hezbollah, informou a Reuters no início desta semana.
Uma das fontes de segurança disse que era muito difícil detectar os explosivos “com qualquer dispositivo ou scanner”. A fonte não especificou que tipo de aparelho o Hezbollah usou para as varreduras.
O Hezbollah examinou os pagers depois que eles foram entregues no Líbano, a partir de 2022. Parte dos testes consistia em viajar com os aparelhos para passar por aeroportos e garantir que eles não acionariam alarmes, disseram duas fontes à Reuters, que não especificaram os terminais aéreos.
Tanto o Líbano quanto o Hezbollah acusam Israel de estar por trás dos ataques, o que é corroborado por outras fontes —um funcionário da área de segurança de um país ocidental disse à Reuters nesta semana que a Unidade 8200 de inteligência militar secreta de Israel estava envolvida no planejamento.
Não havia uma suspeita específica em relação aos pagers —as verificações faziam parte de uma varredura de rotina dos equipamentos, incluindo dispositivos de comunicação, para encontrar quaisquer indicações de que estavam impregnados de explosivos ou mecanismos de vigilância, disse uma das fontes de segurança.
O fato de os ataques terem tido sucesso apesar dos testes atingiram a reputação do Hezbollah, visto como um dos mais importantes aliados do Irã no eixo anti-Israel no Oriente Médio. Em um discurso televisionado na quinta-feira (19), o secretário-geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah, disse que os ataques foram “sem precedentes” na história do grupo.
Embora levassem o nome da marca Gold Apollo, sediada em Taiwan, a empresa afirmou que não fabricou os dispositivos usados no ataque e que eles haviam sido feitos por uma empresa na Europa licenciada. A Reuters não conseguiu estabelecer onde foram feitos ou em que ponto foram adulterados.
O fato é que um lote de 5.000 pagers foi levado para o Líbano no início deste ano na tentativa de evitar a vigilância israelense dos telefones celulares após o assassinato de comandantes em ataques aéreos direcionados ao longo do último ano.
Após os pagers detonarem na terça-feira, o Hezbollah suspeitou que mais de seus dispositivos pudessem ter sido comprometidos, disseram duas fontes de segurança à Reuters.
Em resposta, intensificou a varredura de seus sistemas de comunicação, realizando exames cuidadosos de todos os dispositivos, e começou a investigar as cadeias de suprimento pelas quais os pagers foram levados. A revisão, no entanto, não havia sido concluída até a tarde de quarta-feira (18), quando os rádios portáteis explodiram.
As explosões dos walkie-talkies deixaram 25 mortos e pelo menos 650 feridos, de acordo com o ministério da saúde do Líbano —uma taxa de mortalidade muito mais alta do que as explosões dos pagers do dia anterior, que mataram 12 e feriram quase 3.000. Isso porque eles carregavam uma carga explosiva maior do que os beepers, disse uma das fontes de segurança e a fonte de inteligência.
O inquérito do grupo sobre exatamente onde, quando e como os dispositivos foram contaminados com explosivos está em andamento.
Uma das fontes de segurança disse que o Hezbollah havia frustrado operações israelenses anteriores visando dispositivos importados do exterior pelo grupo —desde seus telefones fixos particulares até unidades de ventilação nos escritórios do grupo.
“Há várias questões eletrônicas que conseguimos descobrir —mas não os pagers”, disse a fonte. “Eles nos enganaram, tiro o chapéu para o inimigo.”