A partir de 2025, o Ministério da Saúde, via Proadi-SUS (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde), terá um sistema de monitoramento das vulnerabilidades sociais para ajudar na resposta diante de eventos climáticos extremos, como enchentes, deslizamentos e secas intensas.
O programa, em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein, ainda não foi divulgado oficialmente, mas o médico e presidente do hospital, Sidney Klajner, falou sobre o projeto em uma mesa durante o SDGs in Brazil, promovido pelo Pacto Global das Nações Unidas, em Nova York (Estados Unidos) nesta quinta-feira (19).
O evento, que reúne organizações empresariais e não-empresariais para debater o alcance dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ou SDGs na sigla em inglês), teve um painel dedicado somente ao tema “Resiliência Climática e Saúde – Impactos das Mudanças Climáticas sobre Populações e os Sistemas de Saúde”, do qual participou Klajner e também a demógrafa, professora da Universidade de Harvard e colunista da Folha, Márcia Castro.
À Folha, Klajner reforçou a importância de os sistemas de saúde, tanto públicos como privados, estarem preparados para novos eventos climáticos, como o que ocorreu com as enchentes no Sul do Brasil em maio. “Veracis é uma sigla para vulnerabilidade, exclusão racial, clima e o seu impacto à saúde, e essa tecnologia preditiva vai atuar em comunidades, principalmente aquelas onde há negros e quilombolas, analisando a situação de saúde, cruzando dados, como de iniquidade [no acesso] à saúde e o contexto socioambiental e climático dessas regiões. Isso vai acontecer nos seis biomas brasileiros, nas principais capitais do país”, disse.
“Vamos mapear, por exemplo, pacientes nas microrregiões que tenham doenças crônicas para que sejam avisados com antecedência se o excesso de poluição ou o calor pode interferir no cuidado para planejar a rotina dele. E também identificar, monitorar e comunicar o surgimento ou agravo desse ricos através de sensores [como smartwatches] ligados a satélites com dados meteorológicos, que serão passados ao Ministério da Saúde para dispor, de maneira mais eficiente, de recursos e serviços para atender essa população”, diz.
Segundo ele, a ideia de falar em um palco como o da ONU é justamente para jogar luz à falta de investimento em saúde dentro dos ODSs. “Só 2% de todo o investimento global dedicado à prevenção do aquecimento global tem como foco a saúde, mas sabemos que é preciso, em um país continental como o Brasil, ter um plano de saúde para ajudar as populações, principalmente as mais vulneráveis, frente a novos eventos climáticos”, afirma.
De acordo com um relatório do Climate Matter divulgado na última quarta-feira (18), 2 bilhões de pessoas no mundo foram expostas por um período maior de 30 dias a um “calor extremo” nos últimos três meses –o equivalente a um quarto de toda a população mundial. A OMS (Organização Mundial da Saúde) estima que já há 3,6 bilhões de pessoas no mundo expostas aos efeitos da mudança climática, mas aqueles mais vulneráveis têm um risco 15 vezes maior de morrer por eventos extremos do que em países ricos.
Para isso, é fundamental ter a resiliência dos sistemas de saúde. “A resiliência climática dos sistemas de saúde é também o planejamento que hospitais, organizações, estados e municípios precisam ter para quando catástrofes como essas forem acontecer”, explica.
Para Márcia Castro, o importante é que os dados sejam incorporados a estratégias para formação de políticas públicas. “O Brasil tem muito dado coletado nas diferentes regiões, estamos muito à frente de outros países, mas ainda tem essa carência de usar as informações para guiar políticas para agora e para o futuro. O engajamento de outros setores também é importante, se você pensa em metas sustentáveis do milênio. A gente não consegue eliminar a dengue se não engajar planejamento urbano, infraestrutura, segurança. E isso demanda um planejamento a longo prazo”, afirma.
Nesse sentido, o tema de resiliência dos sistemas de saúde, também debatido no painel, é fundamental, diz a demógrafa. “O foco para estratégias preventivas e mudanças climáticas deve ser a atenção primária, porque ali tem toda uma questão também de prevenção, é um investimento em saúde [a longo prazo]. Estamos agora em uma carência de expandir a área de atuação dos agentes, treinamento, pensar no papel deles”, explica.
O Einstein já possui estratégias, também via Proadi-SUS, que ampliam o atendimento à saúde empregando, principalmente, telemedicina. Programas que conectam médicos da família e agentes comunitários em saúde com especialistas em grandes centros já têm tido sucesso em, por exemplo, levar diagnóstico pela primeira vez a comunidades isoladas no Norte e Nordeste.
“Tivemos um salto nos atendimentos nos últimos três anos, com uma taxa de resolutividade [chegada ao diagnóstico] de mais de 90%. Então, isso já era um motivo de preocupação antes de falar da alteração climática, mas é uma população que está excluída do acesso à saúde caso não fosse a telemedicina”, finaliza Klajner.