Representantes do Brasil e da China vão se reunir em Nova York às margens da abertura da Assembleia-Geral da ONU para promover a Proposta Conjunta do Brasil e da China para a Guerra da Ucrânia, publicada em 24 de maio de 2024.
O documento demonstra de forma bastante clara a coordenação entre os dois países em matéria de política externa jurídica e permite identificar a visão sino-brasileira sobre diferentes áreas, que se estendem desde o uso da força até o direito internacional humanitário.
É importante ter em mente que cada um dos termos acrescentados à declaração tende a ser profundamente refletido, também no sentido das implicações legais.
Seis pontos fundamentais constituem o documento. Brasil e China clamam pela desescalada do conflito; reforçam que diálogo e negociação são a única solução viável para a crise da Ucrânia, apoiando uma conferência internacional na qual Rússia e Ucrânia se façam presentes de forma igualitária; condenam os ataques a civis, conclamando um aumento do auxílio humanitário no conflito; rejeitam firmemente o uso de armas de destruição em massa, em especial nucleares, enfatizando que todos os esforços devem ser envidados para evitar uma crise nuclear; rejeitam também ataques a usinas ou outras instalações nucleares.
Por fim, num apelo à cooperação internacional, rememoram que a divisão do mundo em blocos deve ser evitada, de maneira que questões como energia, moeda, finanças, comércio, segurança alimentar e segurança de infraestrutura crítica não sejam prejudicadas.
Uma análise geral do documento sob a linha da política externa jurídica brasileira leva a uma conclusão de coerência com sua tradição diplomática: a solução pacífica de conflitos está privilegiada, assim como o pragmatismo do não alinhamento e o compromisso com o direito internacional humanitário e posições fortes em relação ao direito internacional das armas nucleares.
Que conclusões podem ser extraídas desse comunicado conjunto e dos pontos que o integram?
Há pelo menos duas conjecturas que parecem defensáveis. Em primeiro lugar reside o fato de que a articulação entre Brasil e China em matérias sensíveis da comunidade internacional demonstra uma nova aliança na liderança global para propor solução de conflitos, um papel que anteriormente era reservado a determinadas potências.
Os dois países projetam sua liderança como mediadores e oferecem uma visão moderada que não busca unicamente condenar Moscou, mas oferecer uma saída sustentável –sem tocar nos temas possivelmente conflitantes com o atual direito internacional, como a questão da cessão de território.
O segundo argumento que emerge é o uso estratégico do direito internacional. Ao oferecerem uma proposta para o fim da guerra baseada numa linguagem jurídica –em consonância com a adesão dos dois Estados a uma ordem global baseada em regras, como demonstrado anteriormente–, ambos rompem o monopólio de uma narrativa europeia segundo a qual não existiria uma saída que envolvesse qualquer tipo de reconhecimento de controle russo sobre a Crimeia e as regiões ucranianas já conquistadas.
Naturalmente, há um certo grau de seletividade da proposta sino-brasileira, sujeita a críticas sobre como enquadrar outro conjunto de normas que também se fazem presentes na guerra (em especial, aquelas relativas a crimes internacionais, autodeterminação dos povos e aquisição de territórios pela força). Essa posição de Brasil e China parece ser guiada pelo pragmatismo da necessidade de resolver o conflito, cabendo às partes a elaboração de uma resolução que não viole regras do direito internacional.