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Bibliotecas sem Fronteiras ajuda refugiados com livros – 15/09/2024 – Mundo

Um cobertor térmico para aplacar o frio causado pela temperatura de 10ºC a 18ºC da água. Alimento e bebida para curar os danos causados pela desnutrição. Medicamentos e assistência médica para cuidar de possíveis ferimentos e doenças adquiridas na viagem.

Esses são itens de primeira necessidade buscados por organizações de ajuda humanitária voltados para migrantes e refugiados. Mas e se além dos itens essenciais fossem ofertados também livros para ajudar na reintegração dessas pessoas?

A organização não-governamental Bibliotecas sem Fronteiras (BSF) acredita na leitura como uma ferramenta de humanização dos refugiados e, por isso, colocou uma biblioteca navegante em um dos navios do SOS Humanity, outra associação voluntária que presta ajuda às pessoas encontradas à deriva no mar. A ação ocorreu em um dos barcos que resgatou migrantes na costa italiana.

“Nós já estávamos presentes na Grécia e em alguns locais da Itália, que são países com muito trânsito e chegada de populações de refugiados. Mas essa ação no navio foi a primeira vez que atuamos em alto-mar. A realidade, infelizmente, é que muitos desses migrantes em situação ilegal passam por um longo período em alto-mar, à espera de algum porto onde possam atracar. Então ter livros em navios é muito importante”, afirma Jérémy Lachal, cofundador da BSF.

Lachal explica que não são só livros nos barcos: há também jogos de tabuleiros, servidores de internet e também tablets para conexão à internet. “A conexão é essencial para eles buscarem informações sobre os seus direitos e obterem ajuda jurídica”, diz.

A praticidade do formato da biblioteca, uma caixa de madeira móvel que pode ser transportada facilmente de um lugar a outro, possibilita colocá-la em qualquer lugar, não só em navios de resgate. “Nós estamos presentes, hoje, em 22 países [números de 2023], mas desde a fundação, em 2007, foram mais de 50 localidades, não só campos de refugiados, mas em todo tipo de espaço seguro para o qual a população atingida possa fugir, com os livros, da violência a que foram submetidos”, diz.

A criação da ONG nasceu de uma vontade de atuar com escolas. Depois de visitar escolas africanas que não tinham livros, Lachal, junto com Patrick Veil, o outro fundador da BSF, pensaram em angariar materiais para as bibliotecas. Foi só após o terremoto no Haiti, em 2010, que a organização se voltou para ações de ajuda humanitária.

“É curioso, porque a gente trabalhava principalmente com comunidades de refugiados e migrantes na França quando fomos procurados para enviar livros ao Haiti e perguntamos: ‘mas vocês têm certeza que é disso que as pessoas precisam agora? Elas precisam de alimento, de moradia, de saúde’. E eles nos responderam: ‘não, é extremamente importante que a gente devolva o caráter humano a eles’”, diz.

Segundo dados do Acnur, a agência para refugiados da ONU (Organização das Nações Unidas), o tempo médio que uma pessoa passa em um campo de refugiados é de 17 anos. Por isso hoje a atuação da BSF é, principalmente, em zonas de conflito ou em comunidades marginalizadas.

Essa resposta humanitária para um problema essencial foi o que levou o jornalista de cultura francês Auguste Trapenard a ser padrinho da ONG, que ele ajuda financeiramente.

“A resposta após uma experiência traumática é também de união e recuperação daquela população. Os livros são uma forma essencial de se abrir para outros mundos, para a possibilidade de sonhar, escapar daquele passado violento. E é uma demanda que vem dos próprios refugiados”, diz.

A psicóloga e biblioterapeuta Cristiana Seixas, que não atua junto à ONG, afirma que a biblioterapia, prática que usa a leitura como forma de melhorar a saúde mental e emocional, pode ter diferentes formas, mas em geral é um espaço para tratamento de pessoas que sofreram perdas ou traumas.

“É um jeito de transcender a dor e ir para um lugar simbolicamente seguro, onde você pode respirar, conversar e, principalmente, alimentar o seu repertório do imaginário”, afirma.

O congolês Dem’s Munga Mululi, 28, vive hoje em uma comuna em Franche-Comte, na França. Ele conheceu a BSF em 2013 ao deixar seu país de origem sob a investigação, junto à sua família, de fazer parte dos movimentos de rebelião contra o governo. Tinha apenas 17 anos quando se tornou um refugiado no vizinho Burundi. No ano seguinte, encontrou asilo na Tanzânia, também na África.

Lá, em um dos campos de refugiados, trabalhou como monitor chefe comunitário, cuja missão era engajar os demais membros em atividades de recreação. “Nesses campos, há sempre uma relação de ódio entre as comunidades distintas porque se estamos ali, naquele país, fugitivos, é porque ‘os outros’ são aqueles que nos querem mal, então cada criança, cada novo membro que chega, um vizinho, um filho de um amigo da escola, são pessoas que têm um forte pertencimento comunitário”, conta.

“Quando a BSF chega, no início, são apenas caixas trazidas para nós de outros lugares mas, quando elas se abrem, transformam-se em centros culturais onde você pode abrir livros, computadores, câmeras, tablets, jogos, desenho. E tinha um senso de comunidade, de se reunir em rodas de leitura e tentar escapar dessa realidade”, diz.

A BSF tem, inclusive, interesse em abrir um escritório no Brasil que atuaria com comunidades isoladas na Amazônia ou com migrantes venezuelanos, diz Lachal. “O acesso a livros, aos meios de comunicação, é parte da resposta frente a uma emergência humanitária porque a situação dos afetados vai durar meses, até anos, após o incidente”, diz.


A ONG EM NÚMEROS

Fundação: 2007

Países de atuação (desde 2007): 50

Países em que atua (em 2023): 22

Pessoas apoiadas (desde 2007): 2 milhões

Pessoas apoiadas (em 2023): 500 mil

Trabalhadores e voluntários: 25 mil

Fonte: Folha de São Paulo

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