O presidente Lula (PT) defendeu, em entrevista ao jornal sul-africano Sunday Times, que eventuais novos membros do Brics, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, precisam estar em sintonia com a busca de uma “governança global mais equilibrada e representativa”.
O líder brasileiro participa entre 22 e 24 de agosto da cúpula do Brics, em Joanesburgo, na África do Sul.
Na entrevista, publicada neste domingo (20), Lula também lamentou a ausência de Vladimir Putin, que não irá à reunião devido a um mandado de prisão do TPI (Tribunal Penal Internacional) por supostos crimes de guerra na Ucrânia. Lula disse que gostaria de discutir temas importantes pessoalmente com o líder russo.
“O ministro [das Relações Exteriores da Rússia, Serguei] Lavrov é um diplomata muito importante e experiente, mas seria muito importante que a Rússia participasse desse encontro com o seu presidente. Nós vamos discutir importantes temas globais, como a paz e a luta contra a desigualdade, e eu gostaria muito de discuti-los pessoalmente com o presidente Putin”, disse o petista à publicação.
Putin não viajará a Joanesburgo porque a África do Sul é signatária do tratado que criou o TPI. Assim, em tese o país é obrigado a prender o líder russo caso ele desembarcasse em território sul-africano. Houve pressão do Ocidente sobre Pretória, que chegou a considerar a transferência da cúpula para a China.
Além de Lula, participarão da cúpula do Brics os líderes Xi Jinping (China), Narendra Modi (Índia) e Cyril Ramaphosa (África do Sul), que devem discutir, sobretudo, os planos de expansão do bloco. A ampliação do grupo é um projeto de longa data impulsionado por Pequim, que tem o apoio de Rússia e África do Sul. Brasil e Índia são mais resistentes à ideia, mas ambos deram sinais recentes de que podem ceder.
Recentemente, o chanceler indiano, Subrahmanyam Jaishankar, afirmou ver as adesões com a “mente aberta”, desde que sejam definidas regras para embasar os processos de entrada. Interlocutores dizem que os indianos têm se mostrado dispostos ao ingresso de alguns dos candidatos, como os do Golfo.
O Brasil também tem flexibilizado sua posição sobre o assunto. O próprio Lula já disse que gostaria de ver Argentina, Venezuela e Arábia Saudita no bloco. Questionado pelo Sunday Times sobre o tema, o presidente disse que é preciso ter “critério para manter o que uniu o grupo: países em desenvolvimento de diferentes regiões do mundo que não encontraram, nas instituições globais criadas após a guerra, um espaço correspondente e proporcional ao tamanho das suas economias e das suas populações”.
Os cinco membros do Brics negociam quais seriam os critérios para a admissão de novos sócios. O Brasil coloca como uma das exigências a novos integrantes o compromisso com a defesa da reforma da governança global, de órgãos como Conselho de Segurança da ONU, e mudanças em instituições financeiras. O Brasil pleiteia assumir uma vaga permanente no conselho da ONU em caso de ampliação.
Dentro do Brics, no entanto, há divergências sobre esse tema. A China, por exemplo, é contra uma reforma do Conselho de Segurança da ONU que inclua a Índia, com quem rivaliza na Ásia.
Também ao Sunday Times Lula voltou a defender o uso de uma “moeda de referência” no Brics para reduzir a dependência do dólar. O petista já deu declarações semelhantes em outras ocasiões, mas a desdolarização é encarada com ceticismo por analistas e setores do próprio governo.
“O mundo não dependia do dólar no tempo do padrão-ouro. Quando o dólar virou a moeda internacional padrão, sem nenhum suporte, todos os países do mundo se tornaram dependentes —nas suas transações internacionais— de um único país”, disse Lula. “É por isso que, no Brics, precisamos discutir alternativas como uma moeda de referência —não para substituir as moedas locais, mas para permitir um maior intercâmbio entre países como Brasil e África do Sul sem depender da moeda de um terceiro país.”