A pequena Springfield, no estado Ohio, foi alçada ao centro do noticiário nacional americano após Donald Trump amplificar no debate da última terça-feira (10) a mentira de que imigrantes haitianos estariam roubando e comendo animais de estimação na cidade. Desde então, ameaças de bomba recebidas por email levaram ao esvaziamento da prefeitura, de escolas e da agência de trânsito local.
Nesta sexta-feira (13), Trump voltou a colocar o holofote na cidade durante uma entrevista a jornalistas em Los Angeles, na Califórnia. O republicano disse que vai começar sua promessa de deportações em massa, se eleito, por Springfield.
O empresário, porém, não repetiu que os imigrantes estariam comendo cachorros e gatos, declaração que rendeu uma torrente de memes que o ridicularizavam. Em vez disso, ele afirmou que cerca de 20 mil haitianos se mudaram para Springfield nos últimos anos.
“Eles destruíram o estilo de vida de vocês”, atacou, valendo-se de um argumento xenofóbico.
Questionado por um repórter sobre o impacto das declarações sobre a cidade, tendo em vista as ameaças de bomba, Trump respondeu que isso não é um problema. “A real ameaça é o que está acontecendo na nossa fronteira”, completou.
A entrevista de Trump a jornalistas ocorreu no mesmo dia em que duas escolas foram esvaziadas e uma terceira, fechada, na cidade, em decorrência das ameaças.
O prefeito da cidade, Rob Rue, afirmou ao New York Times que Springfield está enfrentando “uma reação de ódio aos imigrantes”. “É frustrante quando políticos, no palco nacional, distorcem o que está acontecendo na nossa comunidade.”
Também nesta sexta, o presidente Joe Biden afirmou durante um evento na Casa Branca que imigrantes haitianos estão sob ataque. “Isso é simplesmente errado. Isso precisa acabar. O que ele está fazendo. Isso precisa acabar”, afirmou, sem citar Trump nominalmente.
A comunidade haitiana nos EUA, estimada em 300 mil pessoas, teme ser alvo de violência após a explosão das fake news. Famílias em Springfield estão mantendo seus filhos em casa, em vez de enviá-los a escola, por medo, segundo um portal de notícias voltado à comunidade.
Desde a pandemia de coronavírus, um grande fluxo de haitianos começou a se dirigir para a cidade em Ohio atraído pela oferta de vagas de trabalho e pelo baixo custo de vida. Esses imigrantes têm status legal nos EUA porque o Haiti é considerado um país inseguro para retornar. A proteção, temporária, é concedida pelo governo federal americano por tempo limitado, passível de renovação.
Autoridades locais estimam que 12 mil a 15 mil haitianos se mudaram para a região nos últimos anos. Se por um lado o fluxo ajudou a revigorar a economia local, por outro acabou levando a um aumento de preços de aluguéis e elevou a pressão sobre serviços públicos, como escolas e atendimento de saúde.
Em agosto passado, um acidente de trânsito fez eclodir a tensão entre os 60 mil moradores de Springfield e os novos residentes estrangeiros. Um motorista haitiano, dirigindo na contramão, chocou-se com um ônibus escolar, matando um menino de 11 anos.
O caso foi explorado pela campanha de Trump, cujos ataques a imigrantes são peça central. O vice do empresário, J.D. Vance, senador por Ohio, citou a morte de Aiden Clark em diversos discursos como exemplo do impacto negativo da presença de estrangeiros nos EUA.
Nesta semana, o pai de Aiden, Nathan Clark, veio a público pedir que os republicanos parem de falar da morte de seu filho.
“Eu queria que meu filho tivesse sido morto por um homem branco de 60 anos. Aposto que você nunca pensou que alguém diria algo tão direto, mas se esse cara tivesse matado meu filho de 11 anos, o grupo incessante de pessoas cheias de ódio nos deixaria em paz”, disse ele.
“Isso precisa parar agora. Eles podem vomitar todo o ódio que quiserem sobre imigrantes em situação ilegal, a crise na fronteira e até mesmo acusações falsas sobre bichinhos de estimação sendo atacados e comidos por membros da comunidade. No entanto, eles não têm permissão, e nunca tiveram, para mencionar Aiden Clark, de Springfield, Ohio”, completou.