Kazik é o nome de um polonês que sente fome e se mostra debilitado em Auschwitz. Seu pressentimento é o de que no dia seguinte “irá para a chaminé” —câmara de gás e depois cremação. Ele pede que outro prisioneiro lhe dê algum alimento, lombo com cebolas, recebidos de familiares, para que possa morrer feliz e de barriga cheia.
A cena está em um dos contos de “Adeus, Maria”, do escritor polonês Tadeusz Borowski, que a Editora Carambaia acaba de lançar no Brasil. Borowski não era judeu para estar no campo de concentração. Não era nazista e se considerava um nacionalista polonês nascido na Ucrânia. Isso bastava para que os nazistas o internassem.
O escritor suicidou-se em 1951, aos 28 anos. Não sem antes discorrer com um estilo limpo e preciso sobre os episódios autobiográficos que acumulou no inferno alemão. O nazismo tem muitas caras, e Borowski exibe sem pudor algumas delas.
É sobretudo a cara da maldade, substantivada, por exemplo, por um cidadão que não conseguia cantar afinado os versos do hino nacional da Polônia —o que virou crime e levou o envolvido à prisão, da qual ele só sairia caso cantasse corretamente.
Mas voltando a Auschwitz, ou melhor, a Harmenze, um campo anexo e igualmente destinado à prisão e ao extermínio. Chegou o momento da refeição noturna. Os tachos fumegantes indicam a presença de uma sopa, mas ela vem engrossada por tiras de urtiga desagradáveis ao olhar e malcheirosas. Isso para internos que sonham com batata e carne ou com algum pão que ainda não esteja embolorado.
Tadeusz Borowski também narra o episódio de mãe e filha judias, trazidas ao campo num trem feito para transportar gado. A adolescente era de extrema beleza e foi desnudada, sem que a deixassem permanecer ao lado da acompanhante. “Eu não tenho medo de sofrer”, disse ela a um oficial da SS, que tirou do bolso uma pistola de baixo calibre e atirou na cabeça da moça, que morreu de imediato e não chegou a viver os minutos agonizantes da câmara de gás.
Outra dimensão enfadonha está na rotina dos trabalhos forçados. Borowski é tratado como ferroviário por saber empunhar uma chave com a qual aperta os parafusos que juntam os trilhos aos dormentes. Ele e os demais operários escravizados não arriscam operações de boicote. Sabem que seriam rapidamente identificados e “mandados para a chaminé”.
A frequência com que a expressão da chaminé é usada pelos prisioneiros reflete a fragilidade com que concebem naquele momento a própria vida. Uma vida que está sempre por um fio. E que pode, em alguns minutos, transformar-se num filete de fumaça negra saindo de um forno crematório.
A edição brasileira dos contos traz um índice onomástico pelo qual se reconhecem as palavras, por vezes em alemão, que recheiam os episódios. Fala-se, por exemplo, em iminência “de uma limpa”. É quando os oficiais da SS selecionam os internos menos resistentes ou mais enfermos para liquidá-los nas câmaras de extermínio. Para evitarem correr o risco, os internos procuram lavar suas feridas para impedir que elas infeccionem. Para eles, o único desfecho seria a pena de morte.
“Vai ter a limpa”, anunciou um prisioneiro, que sarcasticamente passou a cantar “o tango do crematório”.