Uma sequência de imagens de implosões de prédios e bombas atômicas aparece na tela até que surge um leão em chamas. Depois de cinco horas de espera, o público aponta os celulares para o palco, mas o ultraliberal Javier Milei chega caminhando pelo lado oposto, fazendo a multidão se gravitar em massa na sua direção.
O economista encerrou sua campanha como favorito à Presidência da Argentina nesta quarta-feira (18) numa casa de shows em Buenos Aires em clima de rock’n roll e jogo de futebol. O evento foi marcado por gritos fanáticos e cantos de “liberdade”, além de vaias à Venezuela, citações a Israel e ataques ao jornalismo.
O candidato também puxou uma espécie de reza com a definição do liberalismo, sendo seguido pela plateia: “O liberalismo é o respeito irrestrito pelo projeto de vida do próximo, baseado no princípio de não agressão e na defesa do direito à vida, à liberdade e à propriedade privada”, entoou.
Ainda fazia sol quando a fila formada majoritariamente por jovens dava a volta no quarteirão com ingressos grátis distribuídos horas antes no “Mileimóvel”. Abaixo de uma espécie de zepelim de plástico com o nome do candidato, apoiadores empunhavam pelúcias de leão, bandeiras amarelas com o rosto do animal e lonas em formato fálico.
Com um sanduíche de milanesa em uma mão e cédulas americanas na outra, o comerciante Juan Álvarez, 54, anunciava o preço da refeição: US$ 1. “Tem que ser criativo, né?”, se divertia, aproveitando a promessa de dolarização do libertário para atrair os clientes. Também dava para pagar em pesos, mas saía 1.200, mais caro se considerada a cotação paralela que rege os preços no país.
“Já votei nos liberais, já votei nos peronistas, e sigo aqui trabalhando”, disse, justificando seu apoio a Milei. “Eu gosto de como ele fala, de como ele pensa”, complementou o vendedor de bandeiras Ezequiel Lopez, 22, sem desenvolver muito. “Em todos os sentidos, gosto dele em todos os sentidos”, afirmou.
A bateria chegaria minutos depois, seguida de sinalizador e estampidos de bomba. Na fila, um casal de brasileiros que não quis se identificar contou que ficou sabendo do evento e resolveu ir, já que costuma apoiar o liberalismo em vários países do mundo. “Escolhemos propositalmente a época de eleição para viajar para a Argentina”, disse o homem, espantado com a quantidade de notas que recebeu ao trocar seus reais.
Lá dentro, um “sósia” do ministro da Economia Sergio Massa —em segundo lugar nas pesquisas— carregava uma folha sulfite: “Peguei o dólar a 290 [pesos] e agora está em 1.000”. Dançando por trás da máscara estava Augusto Montamat, 28, dono de um bar. “Massa gosta de mudar de lado”, afirmou para explicar a segunda opção de placa: “Se perco, vou com Milei”.
Ao lado e vestindo uma peruca, o motorista de ônibus Winner, que não quis dizer o sobrenome, tirava fotos com os seguidores. Ele contou que há dois anos faz parte de um grupo de libertários argentinos, “mais filosófico do que político”, que agora tem se concentrado em desmentir as ideias de que Milei vai liberar a venda de órgãos e privatizar a educação, como ele defendeu em entrevistas no passado.
Já no palco da casa de shows, com capacidade para 15 mil pessoas, Milei puxou cantos, agradeceu efusivamente à irmã Karina Milei e procurou demonstrar seu lado romântico ao jogar beijos à nova namorada, a comediante e bailarina Fátima Florez. Focou seu discurso na força que seu movimento tomou, na palavra liberdade e em xingar os “delinquentes da política”.
Também criticou jornalistas, dizendo que eles “tratam de dar uma roupagem científica à religião do Estado”. Mais cedo, seu assessor Alberto Benegas Lynch discursou que jornalistas são “filhos de uma grande ‘pauta'”. Ele defendeu ainda suspender relações diplomáticas com o Vaticano, sendo muito aplaudido, e disse que a ideia de fechar o Banco Central lhe causava um “orgasmo intelectual”.
O Brasil apareceu em ritmo de samba-enredo. “Arriba hermanos”, gritou o cantor na caixa de som, um dia depois de Jair Bolsonaro ter feito um novo vídeo em apoio ao ultraliberal. “É o Milei, é o Milei. Eu antes não sabia mas agora eu sei”, cantava um argentino tentando ensaiar um passo de samba na pista.