Por ora, a única informação que se tem certeza sobre o ataque aéreo ao hospital mais antigo de Gaza na terça-feira (17) é que centenas de pessoas morreram. É incerto o número exato de vítimas e, principalmente, quem é o autor do disparo. Mas, a depender de qual lado da guerra se apoia, essas respostas podem ser encontradas rapidamente.
Os palestinos acusam Israel, sob o argumento de que Tel Aviv bombardeia o território intensivamente. Já os israelenses acusam o grupo extremista Jihad Islâmico, tendo jogado na mesa áudios de supostos terroristas conversando sobre o assunto.
Nesta quarta (18), minutos depois de desembarcar em Tel Aviv, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, disse que as mortes provocadas pelo ataque parecem ter sido obra do outro lado, ou do “other team”, na expressão original usada por ele. Ele também anunciou que pedirá ao Congresso um pacote de ajuda “sem precedentes” para Israel. Os dois países são aliados desde a criação do Estado judeu, há 75 anos.
Já o regime islâmico do Irã acusou Israel de cometer “um crime selvagem de guerra”. “Cada gota de sangue dos palestinos mortos nesta guerra aproxima o regime sionista da sua queda”, disse o presidente Ebrahim Raisi. Os dois países são rivais, e Teerã é um dos maiores financiadores do Hamas e da milícia libanesa Hezbollah.
O barulho também veio das ruas. Manifestantes se reuniram em vários países do Oriente Médio para condenar Israel. Em alguns lugares, como no Líbano, o protesto convocado pelo grupo extremista Hizbullah, aliado do Hamas, foi na porta da embaixada americana.
“A América é o diabo, o verdadeiro diabo, porque apoiou Israel, e então todo o mundo fica cego. Você não viu o que aconteceu ontem?” questionou o manifestante libanês Mohammed Taher à agência de notícias Reuters.
No Iraque, onde os EUA invadiram em 2003, cerca de 300 pessoas protestaram perto de uma ponte também próxima à embaixada americana. Cenas semelhantes foram vistas ainda na Tunísia, no Iêmen e na Jordânia.
Os protestos no último país exemplificam bem as palavras de líderes árabes sobre o ataque ao hospital de Gaza.
Amã, teoricamente, está em paz com Tel Aviv desde 1994, quando seus dois governos assinaram um tratado intermediado pelo então presidente americano, Bill Clinton. Desde então, a Jordânia, junto com o Egito, é um dos países árabes mais próximos de Israel.
Mas não nas ruas, explica José Antonio Lima, integrante do Grupo de Trabalho Oriente Médio e Mundo Muçulmano da USP. “Para o grosso da população árabe, a questão palestina é central em sua própria existência; é a forma como a população enxerga seu papel no mundo e o que eles veem é extremamente negativo”, diz. “Na rua árabe, Israel é visto como a ponta de lança dos imperialismos europeu e americano”, acrescenta.
Desse modo, explica Lima, por mais que a monarquia jordaniana tenha laços relativamente estáveis com Tel Aviv e Washington, ela precisa estar próxima da causa palestina no conflito. Não à toa, o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Amã cancelou reunião que teria com Biden nesta quarta logo após a notícia do ataque contra o hospital de Gaza.
O mesmo acontece com a Arábia Saudita, forte aliada dos EUA no Oriente Médio. Na terça, o país condenou veemente o “crime hediondo” que teria sido cometido pelos israelenses. Os Emirados Árabes, que em 2020 assinaram tratado de paz com Israel, adotaram a mesma postura.
“As lideranças árabes não podem se atrelar a Israel no momento em que palestinos estão sendo massacrados. Para regimes autoritários, não há nada mais perigoso que sua própria população”, diz Lima.
Os EUA, por sua vez, correram para apoiar Israel na guerra de versões. Nesta quarta, uma porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca disse que a inteligência americana detectou que Israel não é responsável pela explosão no hospital. A análise, segundo Adrienne Watson, é com base em imagens aéreas e interceptações.
Fato é que dificilmente o diagnóstico seria outro. No momento do ataque, os Estados Unidos já haviam confirmado que Biden visitaria Tel Aviv nesta quarta. “Esse é o primeiro passo para justificar porque o governo americano não cancelou a viagem”, diz Denilde Holzhacker, coordenadora do núcleo de estudos das Américas da ESPM.
O outro, aponta, é o peso israelense na política americana –tanto republicanos quanto democratas mantêm contatos próximos com Tel Aviv. Biden está em em campanha para sua reeleição e acusar Israel do ataque seria automaticamente visto como apoio à narrativa do Hamas. “É pouco provável que sem uma confirmação internacional, os EUA acusariam Israel. Isso seria acreditar na afirmação do Hamas, que é um inimigo”, afirma Denilde.