Os maiores protestos em quase um ano e meio contra o governo de Binyamin Netanyahu tiram a iniciativa política do premiê de Israel, que vinha dando as cartas com certa folga desde que dobrou a aposta contra o Irã, arriscando uma guerra regional que até aqui não veio.
Isso não significa, contudo, que eles estejam fadados a dar certo e obrigar o político a fazer um acordo de cessar-fogo que permita a libertação dos reféns pelo Hamas.
A realidade decorre tanto de Netanyahu quanto do grupo terrorista palestino, cujo mortífero ataque de 7 de outubro jogou o Oriente Médio em uma grave turbulência.
A pressão contra o veterano líder direitista é inaudita desde que a central sindical Histadrut promoveu outra greve geral como a desta segunda (2), em março de 2023. Naquele momento, o país estava gravemente cindido pela tentativa de domar o Judiciário feita por Netanyahu.
A sociedade civil israelense, fortíssima e com diversas camadas de organização, ia para a rua todos os fins de semana para protestar. Ao fim, o premiê recuou.
Recuará agora? Tudo depende da manutenção e extensão dos protestos. A notícia da descoberta dos corpos de seis reféns num túnel em Rafah, ao menos um com sinal de mutilação, espalhou-se como rastilho nas redes sociais de Israel no domingo (1º).
Milhares foram ao centro de Tel Aviv e outras localidades, e a greve veio acompanhada de piquetes e bloqueios em estradas.
É outro cenário para Netanyahu, que há um mês surgia desafiador na TV elencando a eliminação da concorrência: da morte de comandantes do Hamas e do Hezbollah ao bombardeio de longa distância de um porto houthi no Iêmen.
Em comum, todos são prepostos de Teerã e unidos em torno dos palestinos na guerra que já vitimou mais de 40 mil pessoas em Gaza. Apoiado por dois grupos de porta-aviões e vários reforços americanos na região, Israel ficou esperando uma retaliação que ainda não veio dos iranianos pela execução do líder do Hamas na capital da teocracia.
Mesmo o ensaio de revide do Hezbollah teve cheiro de jogo para a plateia. A posição de Netanyahu ante sua base religiosa e de extrema direita estava reforçada, apesar dos pedidos de EUA e aliados por cessar-fogo.
Até aqui, apenas o ministro Yoav Gallant (Defesa) defendeu que se faça um acordo. No gabinete de coalizão, Netanyahu precisaria ver cinco de seus aliados desertarem para perder a maioria, e isso não parece provável: para essa base, a guerra é uma oportunidade de acerto de contas com todos os inimigos de Israel.
Com esse instrumento de manutenção de poder, o primeiro-ministro vem manobrando com sucesso seu controle sobre a cadeira. Ele é auxiliado por um outro fator também, o próprio Hamas.
É notório que as lideranças do grupo terrorista estavam divididas acerca da ideia de fazer um acordo. Presos há 332 dias, os reféns são a mais preciosa moeda de troca que o Hamas já teve: 154 foram libertados em troca de prisioneiros palestinos, e há 101 em suas mãos —35 dos quais declarados mortos.
O sucessor de Ismail Haniyeh, um moderado dentro que se pode chamar de moderação no grupo, é o radical Yahya Sinwar. Ele está em Gaza, em fuga constante de bombas e comandos israelenses, segundo relatos cercado por até 20 reféns como escudos humanos.
A situação militar do Hamas é precária, mas o grupo não foi destruído. Sinwar só aceitará negociar se conseguir algum acordo de permanência como ente político, algo que se desenhava no acordo patrocinado pela China entre o grupo e a Autoridade Nacional Palestina, baseada na Cisjordânia.
É discutível, pois, se há de fato interesse do Hamas em conversar fora de seus termos. Desta forma, a rua que se manifesta agora em Israel é um problema a mais para a tática de Netanyahu, que já tinha visto a ascensão de Kamala Harris como candidata viável contra Donald Trump no pleito americano de outubro.
A vice democrata de Joe Biden é vocal crítica da guerra, e seu chefe tem feito o esforço possível para um pato manco para pressionar Tel Aviv. Se derrotar Trump, aliado de Netanyahu, o clima para protestos ficará ainda mais propício.