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Argentina: turismo brasileiro segue forte apesar de preços – 01/09/2024 – Mercado

“Dica: quando forem dizer ao motorista que vão à rua Cerrito, digam ‘cerrríto’, com o R bem forte, não ‘cérito’, que para a gente seria um zero pequeno”, diz Juliana, guia turística argentina, a um grupo de três casais do Brasil que faz o “city tuor” por Buenos Aires.

Com sotaque porteño mas um português de dar inveja, ela está mais do que acostumada com o público que mais procura os passeios turísticos, mesmo agora, com a baixa do turismo na Argentina relacionada à alta dos preços.

“Muitos agora reclamam dos preços e inclusive me pedem dicas para baratear a viagem”, conta. “Lhes digo para comprarem vinhos nos mercados chineses, não em qualquer lugar. E que nos restaurantes mais conhecidos se paga caro pela experiência de estar ali, não pela comida. A carne será excelente na maioria dos lugares.”

Desde abril, o número de turistas com destino à Argentina apresentou baixas consecutivas, sendo a mais expressiva no último maio (-27,5% em relação ao mesmo mês do ano anterior). Em julho, último dado disponível, o recuo interanual foi de 17,7%, mostra o relatório do instituto de estatísticas local.

Algumas das principais nacionalidades que buscavam o país antes rarearam, como chilenos (-46,6% em julho), paraguaios (-21,4%) e uruguaios (-38,2%). Mas não os brasileiros. Em meio aos recuos de boa parte das nacionalidades, o turismo originado no Brasil segue em alta, ainda que em volumes mais modestos: subiu 11,1% no último julho, quando no mesmo mês do ano anterior a alta foi de 57,9%.

No decorrer deste ano 3,8 milhões de turistas já visitaram a Argentina. Destes, 22% (843 mil) são do Brasil. É uma correlação maior do que a de todo 2023, quando brasileiros foram 19% do total.

O país está mais caro. O conjunto de medidas econômicas recentes do governo ultraliberal de Javier Milei retirou controles de preços que antes amortizavam as altas, fechou os gargalos de emissão de moeda e fez diminuir a inflação. Os preços relativos voltaram a se recompor: o custo de vida subiu, e mesmo o consumo dos argentinos diminuiu.

Junto a isso, a alta do dólar no Brasil combinada com a perda do protagonismo do dólar blue, como é chamada a cotação informal da moeda na Argentina, fez o câmbio não ser mais tão vantajoso.

Há um ano a chamada “brecha cambial”, a diferença entre a cotação do dólar oficial para o que os turistas podiam acessar, era de mais de 100%. Agora, gira em torno de 40%. Ou seja: no mercado paralelo um turista podia comprar muito mais pesos quando comparado à compra no mercado formal antes do que pode agora.

Os brasileiros demonstram surpresa, mas ainda dizem ver uma porção de vantagens. “Antes estava a farra do boi, a economia estava muito quebrada”, brinca Carina Santos, 45, moradora de Caraguatatuba, no litoral paulista, em Buenos Aires com o marido, José Raimundo, 53.

Entre uma cuidadosa foto de Polaroid e outra para economizar o filme na turística e colorida Caminito, no bairro La Boca, a baiana Paloma Barros, 26, mostra na tela do celular a metódica organização dos gastos diários que ela e o marido, Leonardo, 30, têm.

Os dois puderam economizar com hospedagem, já que têm família na capital argentina, mas por dia têm gastado 130 mil pesos (em torno de R$ 600), principalmente com alimentação. Para se locomover, priorizam a rede pública de ônibus e metrôs, em geral elogiada.

“Nos próximos dias teremos de gastar menos”, diz ela, que em breve arruma as malas para Bariloche. “Mas a verdade é que não esperava nada de Buenos Aires, e agora estou apaixonada. É tudo lindo.”

O café “jarrito” (o americano) com uma medialuna deixou de ser atipicamente barato como em meados de 2021 e 2022 (era possível encontrar a dupla com frequência por 1.000 pesos, agora em torno de 2.500 ou 3.000), mas a Argentina mantém seus atrativos.

É preciso “recalcular a rota”, brinca um grupo de dois casais de amigos de Santa Catarina que alugou um carro, foi primeiro a Montevidéu, no Uruguai, havia passado sua primeira noite em Buenos Aires e turistava nos arredores da Casa Rosada. “Mas tudo é lindo, principalmente a arquitetura. O vinho é barato, e os alfajores, deliciosos.”

Para outros, como um casal de Vitória (Espírito Santo) que há 11 anos não visitava o país, os principais atrativos gastronômicos ainda valem a pena, principalmente o corte da carne, quando comparado aos preços que encontram em sua cidade.

Em muitas agências de viagens e passeios cujo principal público é o brasileiro, as perguntas pré-viagem começaram a mudar (quanto vou gastar? como economizo?), mas não a disposição de viajar.

“Devido à recente mudança no governo, ainda é cedo para ter um panorama sobre o turismo nos próximos anos no país”, diz a brasileira Brunna Brok, diretora da Aguiar Buenos Aires, agência que orienta brasileiros e tem pacotes de passeios. “No entanto, neste inverno, assim como nos anos anteriores, podemos afirmar que o turista brasileiro segue escolhendo a Argentina como destino turístico.”

Ela lembra que baratear a viagem é possível pelos diversos parques e praças pela cidade. “A maioria desses locais é gratuita. É possível passear pelo Jardim Botânico, fazer um piquenique no Planetário, aproveitar as diversas atividades dos Bosques de Palermo, descansar na praça San Martín durante um passeio pelo centro, respirar ar puro e se conectar com a natureza na Reserva Ecológica, relaxar em um dos diversos lagos da cidade. Tudo sem gastar nada.”

Do lado do governo local, o anseio é fazer crescer a propaganda do turismo argentino no Brasil.

“A conjuntura cambial segue sendo menos favorável que em outros momentos para os turistas, mas seguimos sendo competitivos como destino”, diz à reportagem a subsecretária de Turismo do governo Milei, a advogada Yanina Martínez. “Nosso diferencial são os serviços de alta qualidade, a diversidade de destinos, os esportes de inverno e o turismo enogastronômico.”

Segundo Martínez, os destinos mais buscados por brasileiros são a capital Buenos Aires, a Patagônia e a região de Cuyo, onde está Mendoza, terra dos vinhos.

Fonte: Folha de São Paulo

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