Com os olhos de toda a Alemanha voltados neste domingo (1º) à Saxônia e à Turíngia, estados que vão às urnas para decidir seus novos Parlamentos locais, os eleitores saxões apostam no voto útil como estratégia para evitar que a extrema direita volte ao poder pela primeira vez em quase 80 anos no país, desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
As eleições vêm sendo amplamente consideradas um termômetro da política nacional, um ano antes do próximo pleito para o Parlamento alemão, enquanto o primeiro-ministro Olaf Scholz lidera uma pouco popular coalizão em Berlim.
O partido AfD (Alternativa para a Alemanha), que tem no leste alemão seu maior bastião de popularidade, aparece à frente nas pesquisas em ambos os estados. Na Saxônia, poderá superar a CDU (União Democrata-Cristã), legenda mais votada desde o dissolvimento da comunista República Democrática Alemã (RDA), em 1990.
Parte dos eleitores teme ainda que a legenda obtenha o suficiente para formar uma minoria com um terço dos assentos legislativos, o que lhe daria o poder de paralisar o Parlamento estadual. Na Saxônia, dos 120 assentos no Legislativo, metade é concedida a candidatos eleitos individualmente em seus distritos eleitorais. Levam as outras 60 cadeiras os partidos que recebem votos em lista de pelo menos 5% do eleitorado.
Em dois centros de votação de Dresden, capital da Saxônia, os eleitores que conversaram com a Folha relataram ter votado nos candidatos e partidos com maior chance de derrotar a AfD. Outros não quiseram falar com a reportagem.
“Não acho que o resultado vá ser positivo. Não gosto muito de nenhum partido, mas votei no SPD (Partido Social-Democrata) e nos Verdes, porque eram as únicas opções boas contra a AfD”, disse a eleitora Polina, após votar no centro da cidade. Assim como os demais entrevistados, ela não quis divulgar seu sobrenome.
No fim de semana passado, manifestações contra o partido reuniram milhares de pessoas em Dresden, Leipzig e Erfurt, grandes cidades da Saxônia e da Turíngia, sob o lema “Nós Somos a Barreira” (“Wir Sind Die Brandmauer”, em alemão), metáfora usada na política alemã para se referir a um cordão sanitário da sociedade contra grupos extremistas.
“É um momento crítico. A maioria das pessoas está infeliz com todos os partidos e sente que não tem alternativa [à AfD]. Mas não nos devemos deixar levar pela frustração e, sim, fazer a coisa certa”, disse o eleitor Markus, crítico da extrema direita.
Hostilidade contra progressistas
No centro de Dresden, slogans da AfD explicitamente xenofóbicos, nacionalistas e de ataque ao CDU se encontram a cada esquina. Havia suásticas nazistas pichadas em dois cartazes de partidos adversários nos arredores da estação ferroviária central.
O universitário Tristan Rugen teme que uma vitória da AfD possa aumentar a hostilidade contra alemães progressistas, sobretudo nas zonas rurais. O universitário e sua família foram alvo de ameaças por moradores conservadores no vilarejo saxão de Grimma, quando ele, ainda na adolescência, passou a ser localmente reconhecido como ativista social e ambiental.
Neste ano, ele se uniu a amigos que conheceu em outros protestos contra a extrema direita e criou o site “Voto Tático”, que indicava os candidatos com chances reais de derrotar a AfD em cada distrito eleitoral da Saxônia e da Turíngia.
Até as 13 horas locais deste domingo (8h de Brasília), foram realizadas 185 mil consultas na Saxônia e 110 mil na Turíngia, disseram os criadores. Os estados têm 3,3 milhões e 1,6 milhão de eleitores aptos a votar, respectivamente.
“Estamos em uma situação excepcional. Caso a AfD obtenha um terço dos assentos, terá uma minoria capaz de chantagear o governo”, disse Rugen. “As pessoas espalhando ódio vão se sentir mais poderosas.”
Segundo Rugen, as sugestões incluíam CDU, Verdes, A Esquerda e SPD —ou seja, todos os partidos relevantes em nível local concorrendo contra a AfD, exceto a BSW (Aliança Sahra Wagenknecht), partido populista de centro-esquerda criado em janeiro deste ano que, assim como a AfD, ascende ao discursar contra a imigração e a transição energética.
“Os partidos racistas estão crescendo, sobretudo nesta região, e isso me faz ficar preocupado com o que vai acontecer no futuro”, disse a eleitora Jona, que votou no A Esquerda e nos Verdes, mesmo sem se sentir fiel a estas siglas nem satisfeita com o desempenho dos Verdes na atual coalizão governista do Parlamento saxão.
Na Saxônia e na Turíngia, as eleições deste ano foram marcadas por campanhas do governo e da sociedade civil para incentivar o comparecimento eleitoral. Em 2019, 66% dos eleitores saíram às urnas na Saxônia, um recorde desde 1990, na primeira eleição após o dissolvimento da RDA e o restabelecimento do estado —a Turíngia teve, por sua vez, o percentual mais alto desde 1994 (64%).
“Não sou muito politicamente engajado. Mas, neste ano, vim votar para impedir a AfD. Não sair para votar é a mesma coisa que votar azul”, disse o eleitor Bruno, em referência à cor do partido de extrema direita.
Os resultados das urnas devem sair à noite, no horário local. Em Dresden, um palco aguarda eleitores para uma contagem pública de votos.